Jorge Santiago



















A GRUTA I epaminondas terminou a obra a que dedicara os melhores anos da sua vida, a reconstrução de Tebas. decidiu então recolheu-se a uma gruta, espartana como convém, para meditar, jejuar de...







A GRUTA

I

epaminondas terminou a obra

a que dedicara os melhores anos da sua vida,

a reconstrução de Tebas.

decidiu então recolheu-se a uma gruta,

espartana como convém, para meditar,

jejuar de guerras e outros prazeres carnais

e fazer contas ao passado com olhos de presente.

II

epaminondas sabia que esse processo

de contabilidade psicanalítica

não passaria de exercício aritmético viciado

em que o resultado era previamente conhecido.

pois não é, cada um de nós, no presente,

a soma algébrica dos deves e dos haveres

acumulados ao longo dos tempos passados?

III

epaminondas sabia, pois era homem

de extenso saber de experiências feito,

que ponderada a importância de cada ato

ou desato mais ou menos intencional,

por coeficiente que refletisse o seu peso

no desenvolvimento dos presentes futuros,

depois somasse e subtraísse as variáveis,

inapelavelmente surgiria o rosto familiar

do personagem que integra o eu-atual de cada um.



A QUESTÃO

IV

epaminondas sabia que o verbo inicial

e detonador de todo o pensamento,

teria que sair da fatal questão:

“ah se eu pudesse mudar o passado…..”

e que afirmariam uns:

“eu não mudaria uma linha!”

e que clamariam outros:

“sim, há coisas que …. talvez…”

onde cada posição denuncia

uma forma diferente de cada um atravessar a vida

e de se relacionar dentro do caldo cultural dos humanos.

V

epaminondas sabia ainda, por simples empirismo,

que os deuses não tinham criado os homens iguais,

fosse por lamentável e imperdoável incúria divina,

fosse porque os deuses já teriam antecipado que

a criação do homem não seria obra prima

nem digna sequer de menção honrosa.

em qualquer dos casos, tudo deixava adivinhar,

como aliás os testamentos da história

(os velhos, os novos ou os contemporâneos)

se encarregaram de demonstrar à exaustão,

que a criação do homem seria um ato falhado dos deuses.

VI

epaminondas inferiu assim, logicamente,

que dessa inconsistência do barro genético

resultaria que nem todos os homens aprenderiam

à mesma velocidade, havendo mesmo

muitos a quem essa capacidade seria negada.



APRENDIZAGEM

VII

epaminondas não sabia, nem poderia sabê-lo,

pois os deuses mantinham o poder de adivinhação

restrito aos limites olímpicos e a uns poucos oráculos,

que os homens que não aprendem

se multiplicariam mais depressa que os outros

e que, assim, em escassos séculos,

a terra seria deles, dos homens que não aprendem!

VIII

dos homens que aprendiam,

reza a tradição popular

que se agregaram nas academias

e outras instituições de diversão e recreio

onde afincadamente produziam saber

que a ninguém interessava nem ninguém entendia,

enquanto os homens que não aprendiam

cogitavam na melhor e mais expedita forma

de repetir os erros do passado,

entronizando-se na passerelle das paradas militares,

eternizando-se em bustos de mármore

ou cunhando-se em anversos de moeda corrente.

IX

epaminondas, fatigado de meditar, adormeceu,

e passaram, assim, quase três mil anos

em que o tebano general e pensador,

não tendo pedido a ninguém que o acordasse

(ninguém se atreveria a fazê-lo sem expressa ordem!),

mais não fez que dormir o sono justo dos heróis.



ATO FALHADO

X

nada de mais entretanto acontecera.

os piores receios dos deuses confirmaram-se,

ou não fossem eles deuses.

os homens nunca mais se recompuseram

dos maus tratos de que foram vítimas

por parte do pai criador,

particularmente a expulsão da casa paterna

como castigo desmesurado por mero pecadilho

de juventude entregue a si própria.

XI

epaminondas acordou finalmente

do reparador sono de quase três milénios.

tomou um duche rápido e encomendou

um croissant, um sumo de laranja

e um café curto bem forte.

XII

ligou o laptop e conectou-se em banda larga,

correu os olhos pelos emails

e concentrou-se na leitura do Financial Times.

crises financeiras, greves e despedimentos,

tremor de terra aqui, inundação ali,

incontáveis conflitos armados de dimensões

e violência para todos os gostos e paladares,

enfim, o trivial, nada, afinal, que o grego não tivesse

já visto e revisto ao longo da sua vetusta idade.



O CIRCO

XIII

uma coisa, contudo, deixou epaminondas perplexo,

se não mortalmente desiludido!

mesmo sabendo ele que os homens não aprendem,

esperaria o general que o sistema de

convivência que tinha sido inventado

no tempo da sua juventude e a que os seus

compatriotas chamaram democracia

se tivesse espalhado pelas terras do planeta

e fosse prática comum entre os homens.

XIV

passados três mil anos, o sistema

era totalmente desconhecido

da larga maior parte dos poderes vigentes

ou, na melhor das hipóteses,

permanecia em fase experimental

nos raros locais onde era utilizado.



EPÍLOGO

XV

O choque foi demasiado grande

e epaminondas entrou em depressão profunda.

fez terapia de grupo durante 3 anos,

assumiu a sua secreta filiação maçónica

e entrou para a ordem dos monges de Cister,

tendo dedicado o resto da sua vida

ao cultivo de vegetais hidropónicos

e à produção de geleias e compotas.



O tempo envelhece e os homens não aprendem.

Comentários

Mensagens populares