Rui Knopli





AEROPORTO


É o fatídico mês de Março, estou
no piso superior a contemplar o vazio.
Kok Nam, o fotógrafo, baixa a Nikon
e olha-me, obliquamente, nos olhos:
Não voltas mais? Digo-lhe só que não.

Não voltarei, mas ficarei sempre,
algures em pequenos sinais ilegíveis,
a salvo de todas as futurologias indiscretas,
preservado apenas na exclusividade da memória
privada. Não quero lembrar-me de nada,

só me importa esquecer e esquecer
o impossível de esquecer. Nunca
se esquece, tudo se lembra ocultamente.
Desmantela-se a estátua do Almirante,
peça a peça, o quilómetro cem durando

orgulhoso no cimo da palmeira esquiva.
Desmembrado, o Almirante dorme no museu,
o sono do bronze na morte obscura das estátuas
inúteis. Desmantelado, eu sobreviverei
apenas no precário registo das palavras

in O monhé das cobras, Editorial Caminho


Comentários

Unknown disse…
Tenho um MacBook igual a esse da imagem só que de cor preta. Ah, e o poema é bem bonito por sinal.
Nina Owls disse…
Knopli é sempre bom.
Tal como oa aeroportos, digo eu. ;)
Obrgd pela visita á Farmácia e já agora ao Focus Men (a gravura darwinista não é da minha autoria, é bom que se frise) ;)
Cheers
Alda Martins disse…
Belíssimo poema, também tenho um Mac Book preto.

Totalmente de acordo "Knopli é sempre bom."
Nina Owls disse…
somos imensos a gostar de Knopli :))
Obrgd pela visita e bom domingo
(a cuscar o blog que entrou - não se resiste, pois não, a um nome a azul? ;))

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