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Valter Hugo Mãe




nenhum amor escapa impune

deixa-me perguntar se te
pareço tão assustado assim. Não
me sinto deslocado, talvez curioso, mas
nem surpreso. algo em ti me puxa
sempre ao sentimento, mesmo antes de
te conhecer, lembras-te, uma propensão para
te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus
modos, recusar admitir que também eu sou
capaz de crueldades quotidianas e
impunes. queria conversar contigo
sobre o nelson, que foi ver as coisas a
arder fotografando a própria
pele. queria falar-te da isabel e de como
choramos juntos, muito maricas, quando
nos correm mal estes amores ou, pior, a
nossa amizade. esta noite sonhei contigo e
achei graça dizer-te que cheirava mal
na nossa cama. que me incomodou a luz a entrar
pela persiana por fechar. que ouvi com dor o
orgasmo da vizinha de baixo

queria que soubesses que também eu
poderia ter ardido para o nelson
fotografar. queria que soubesses que
também poderia parar de chorar pela
isabel. queria que soubesses que o faria
exclusivamente
para arruinar o meu coração, se fosse a
tua vontade e com isso te deixasse em
paz. faria qualquer coisa, ainda que
quisesse morrer a seguir, faria qualquer coisa que,
por um instante, te pusesse
a pensar em mim







"...percebi que para dentro de nós há um longo caminho e muita distância. não somos nada feitos do mais imediato que se vê à superfície. somos feitos daquilo que chega à alma, e a alma tem um tamanho bem diferente do corpo."


in Os dias para sempre


Valter Hugo Mãe é o nome artístico do escritor Valter Hugo Lemos (Henrique de Carvalho, Angola, 25 de Setembro de 1971). Além de escritor é editor, artista plástico e cantor português .Valter Hugo Mãe nasceu na cidade angolana outrora chamada Henrique de Carvalho, atual Saurimo.
Passou a infância em Paços de Ferreira e em 1980 mudou-se para Vila do Conde. Licenciou-se em Direito e fez uma pós-graduação em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.
Em 1999 fundou com Jorge Reis-Sá a Quasi edições.
Em 2001, ainda na Quasi, codirige a revista Apeadeiro e em 2006 funda a editora Objecto Cardíaco.
Em 2007 recebeu o Prémio Literário José Saramago, durante a entrega do qual o próprio José Saramago considerou o romance o remorso de baltazar serapião um verdadeiro "tsunami literário".
Para além da escrita tem-se dedicado ao desenho, com uma primeira exposição individual inaugurada em Maio de 2007, no Porto, e à música, tendo-se estreado como voz do grupo O Governo em Janeiro de 2008, no Teatro do Campo Alegre, no Porto.

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