Francisca Pascoaes





Dores d’alma

Que faço deste tempo arrastado
onde só os pássaros enfrentam o gelo
e até os peixes se arrepiam de rio?
Que faço com o vento na cara
se não é uma ave rara
e não vem pelo entardecer
ajudar a recolher
os animais no pasto?
Que faço com a tarde de frio
que amontoou cartas sem selo
dos meus quereres antigos?
Que faço de mim, que faço
sem ti, daqui pra sala, da sala
para um livro qualquer
gasturas, suspiros, saudades caladas
e passam, entretanto, anos, vidas
mas nem sombra do teu ombro
Do que me recordo,
dos cigarros, da música, dos escritos
no teu abraço morno?
Que faço eu desta tarde,
que não posso fazer contigo?
que faço com esta data de calendário
que assinala aniversário antigo?
retratos avulsos e as cócegas
do teu bigode,
que nem a longura dos dias,
a dor sacode
Que faço meu pai, hoje
quando a chuva ameaça
contágio e a desolação traz o teu
nome e sabe a nunca mais


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