A ausência vaticinada por Saturno

 







Tenho o silêncio por companheiro. Ao longe, lá na sala, ouço as vozes graves e em surdina, a música, os talheres e a vida a passar. Ouço-a aqui na janela do quarto onde me fechei para estudar. E estudo. Fecho os olhos e vejo a matéria da intervenção ser substituída pelo brilho dos teus olhos, autores e temas a caírem mediante o sorriso que vejo nos teus lábios e dispo o roupão e sinto-me febril. O calendário muda, o relógio, o discurso e as estações, mas não este meu querer. Que teima em mirar-te e imaginar como vives, que fazes nos segundos que te dedico, que ouves, que vês, que pensas, quando te devoto as horas? O tapete de folhas, os animais, a longura dos horizontes e o fumo das chaminés, até o sol me desafiam ao aqui e agora. Agora é contigo que estou, perdida em ti. E os sons da música conduzem-me à valsa dos instantes breves que teimo em voltar. Tens em ti a minha vontade, o meu sorriso e o silêncio dos meus afetos. Agora, toco o teu rosto, aliso o teu cabelo e afasto-me. Fecho a foto, a página, o livro inacabado, o sonho e recolho-me na cama, no escuro, não quero nada, nem ninguém, quero-me a mim, dormente, dormindo, coração aquietado e ausente. Não quero nada, hoje não quero mais nada.


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