Ella Foice e a paranomásia da algália

 


Ella Foice e os dias contados



Amanhã é dia 11 de Setembro, outra vez, e depois voltará a ser 25 de Outubro e 26, depois será 10 de Abril novamente. Partiram com estrondo, o de serem arrancados aos encarnados, para que saibamos dar valor às vidas que nos acrescentam. Tantos atentados terroristas. Ceifados por uma foice arbitrária e misteriosa. Para onde foram? E eu pergunto-lhes: estais a ouvir-me? Teimam em não me responder com palavras. E calam os meus anseios com sinais, sincronicidades e uma intuição tão, mas tão aguçada, que chego a acreditar estar com eles nesta sala, pintada de penumbra, onde as sombras vão dançando com o último risco de luz que vem do exterior. Cá dentro, falam-me todos, contam-me tudo, mas sabes, nunca os acredito, nunca os levo a sério. Uma vida inteira a ouvi-los desfiar, alguns reconheço-os pela forma de humor implacável, e outros pelos registos do que foram enquanto caminhavam com pernas e braços, como eu e tu, ainda. Às vezes vejo um elefante. Ou um elefante no MEIO DA SALA. Outras, um girassol ou o próprio Peter Pan, de mão dada com a Wendy. Outras ainda, a avó Bina a dormir, enquanto deslaça os dedos das mãos, entre o antes e o depois, noutras o Chico, metamorfoseado de índio, cheio de sardas e noutras o próprio Domingo é síncrono de heróis felizes do outro lado. Os idos estão felizes e recomendam-se. Preocupados com os atentados terroristas à nossa conta. Que vamos sendo alvos disto e daquilo que é como quem diz, nos pomos a jeito. 

Lembras-te do jardim de nossa casa? Um pedaço de vida aqui, outra acolá, assim me surgem eles dispostos. Sem erva daninha no meio. Apenas as que servem de esteio a flores mais audazes e perfumes inebriantes.

Ontem, depois de ouvir o Rik falar sobre os aspetos astrológicos da semana, antes de ouvir o Ablas Roland, lá voltei ao quintal de Castelo, onde alguns vasos se seguravam naquele corrimão largo de madeira envelhecida. Sei que fisicamente nada é mais assim, igual ao que foi, mas lá, amparada pelo patamar da memória, arrastei-me até às ditas escaleiras, também elas de madeira corrompida de chuva e frio e congelei-me lá. Sei que as circunstâncias nunca são as mesmas, mas ainda estava a acontecer a guerra no Iraque, no Golfo Pérsico, ainda podia ver o Artur Albarran, depois da conquilha do hotel, no terraço cimeiro onde ele nos ia relatando a guerra em direto, com um copo de coquetel na mão e na outra, um cigarro fino, meio, para alinhar o stress, ele que era mais velho que tu três anos e doze dias, que veio de Moçambique e que partiu em dois mil e vinte e dois. Pareceu-me sempre que foi alvo de um atentado derrotista, também ele, por causa da sua coragem e ousadia e aquele tiquinho de humor que flácido nenhum ousa ter, com obuzes a cair-lhe em cima da cabeça. Caiu na boca do povo como o jornalista de férias num clima(x) de guerra. "A tragédia, o drama, o horror." Naquele tempo, ainda não havia enxames de drones ou a careca dele teria cedido ali mesmo. Que audaz, o jornalista moçambicano. O irónico é que tudo tem mais perspetivas. Foi cilindrado pela sua audácia, o julgamento feio e fácil de desportista e mau jornalista. Morreu um pouco com o veneno e a má-língua de quem não lhe conhecia a coragem. Fizeram-lhe o mesmo que ao Manuel Alegre. Que era persona non grata, por mais talento, por mais poesia que acrescentasse à pátria, que se tinha sumido da guerra, para denunciar a mesma através dos seus dons divinos, fizeram pior com o Saramago e com a Maria João Pires. Devotaram-nos ao ostracismo. Só se tem valor se esse valor vier atribuído pelos países do estrangeiro. E o pessoal baza que a falta de reconhecimento é como carraça que bebe qualquer bocado de sangue. Desatam na sangria, desejando ter o que eles são. Como se tira a alguém, mais do que os seus bens, senão o seu próprio valor, o seu carácter, o seu brilho pessoal? Assim morreram muitos, vitimados pela azia e simpatia do entorno. Recomendo a todos, aos que sofrem disso, bicarbonato de sódio. O frasco todo. 

Todos os dias sofremos atentados, somos alvos e bodes expiatórios, umas vezes, circunstancial, outras premeditadamente, de meros desconhecidos ou de gente que conhecemos uma vida toda. Corrijo, nesta. Conhecer gente, a amálgama, essa massa disforme, quanto mais número, menos qualidade no produto, que em grupos desorganizados e sem carácter, crescem a olhos vistos. Os outros também. Os outros grupos de gente como a Ella Foice. Que acordou. 

Oiço na rádio que o Cristiano Ronaldo assim e assado. Vilões. Os invejosos são oportunistas. E denunciam-se sem querer. Gostava de os ver, os que o metralham por não estar presente no funeral do Jota, de empurrar um microfone ou de ver a sua privacidade ser invadida, se não responderiam todos na defensiva. Na impulsividade de um momento, eis que a defesa surge. E quando Pedro fala de Paulo, sei sempre mais de Pedro, lembras-te? E quem for como eu, marciana, a defesa pode vir em forma de ataque. Ei-los na torcida para a queda, os invejosos, uns emagrecidos, outros balofos, não cabem na massa disforme do vão desejo de maldade e começam a nutrir-se e a destilar ódios e raivas de estimação. Convivem connosco a vida toda, e nunca os vemos como são. Aos mascarados. Não tenho saudades dos vivos. À exceção de ti, de quem foste, corrijo. Dos idos, nasce-me a nostalgia. Outros tempos, outros seres mais humanos.

Tenho saudades deles todos, dos nossos que sempre partem sem abraços e sem aviso. Por outro lado, eu que estou no meu canto, sempre quieta no meu canto, sempre a tentar meditar, sempre sem incomodar ninguém, e sem conseguir gostar das massas e dos "velhos do restelo", volto ao varandim do quintal, em modo congelado, onde te preservo, ouvindo a música subir as escaleiras, sinto, outra vez, os teus braços no meu pescoço, como duas pinças a apertarem-me os músculos contraídos, os teus braços, a tua respiração e uma chalaça. Sentaste-te ao meu lado, ali, em modo frozen que sempre é melhor do que fryer, e revisito as plantas, todas regadas pela tua mãe, tento alçar os olhos para as árvores, na subida íngreme para o cabeço, mas vejo um vidro grosso que me embacia a vista. Olho no sentido contrário e levanto-me. Tu já ali não estás, talvez tenhas voltado para tua casa, talvez tenhas ouvido alguém chamar-te e também foste sem avisar, e erguida, subo o degrau mais alto, até avistar os ciprestes que rodeiam o "cemintendes". Ali estão eles, as suas copas baloiçando ao som do vento, numa valsa que só eu oiço. Subo ao céu, abrindo as asas e vou à volta, até adentrar na pequena clareira onde as sanchas eram apanhadas, entre a caruma dos pinheiros e o restolho das pinhas. Lá estou eu no passado. Recolho as asas e volto a ter pés descalços no fresco daquela tarde. Atrevo-me, tal como Albarran, a ser corajosa e audaz, deixando-te post its em todo o lado, em tempo de guerra. Sou grafitter de guerra. Caricaturista do incómodo e particular, no aço que quer ser oiro. Da burra e do toiro. Do asno que bebe bagaço e depois diz que é impune, que só faz lume, o incendiário. Da Junta de Freguesia e do Coiro. Agora, sejamos ernestos: De Vila Meã, antes do degelo, só a Agustina, a assoprar-me da Charo e do contrasenso. Do folhelho ao quadro do Malhoa. Ah, o fado, esse fado estava bem calado. Não sou de parafernálias, sou mais de amálias, sou mais de girassóis e dálias. Sou pária. 

Nunca gostei de política. Porque dela nascem homens sem escrúpulos que, com a desculpa de servirem o país, se servem dele, para subirem as escadas da podridão e da ousadia porca e devassa. Não há amigos. Há falta de pudor e de coluna vertebral. E de honra. Que se mede quando se apanha um verme a dizer não façam isto, e ele às escondidas a fazer. A lucrar com a cegueira de quem o crê. O que há, nos arrabaldes do poder é amigo com privilégios, que se arranja qualquer coisa para eles, um javali à bolhão pato, um terreno sem  pdm  ou tpm temporário, que somos todos otários, e vão recebendo mordomias, por saberem demais e, depois se lhes arranja um fosso, por saberem demais. Não é isso que os poderosos fazem a quem sabe demais e é encontrado a bulir na pia batismal ou na pocilga dos jograis? Não é bom saber demais. Os netanyiahuistas, os trumptistas, os putinistas, (se vos contasse o que sei, teríeis que me matar) multiplicam-se.  E os que podem matam, aos que não podem matar, aleijam! Porra! É Sodoma e Gomorra atual. São uns artistas, do circo da demolição! Não que se saiba demais. Mas há conhecimentos que são inconvenientes. Que mais vale se não soubesse. Sempre defendi a transparência e atrevo-me na vida, a lutar por ela. Por isso, te canto esta canção, do vento em cima da copa que reza assim: muitas mãos tive entre as minhas, mãos lindas, mãos divinais, as que eu não quis voltaram, só as tuas nunca mais. E deve vir do tempo quinhentista, onde os que zarpavam para as suas guerras, deixavam em guerra corações partidos, sentimentos e emoções de ausência e de desespero, peitos sem albergue, destruídos. Que nunca superaram os que partiram, nem para o outro lado, nem para este, que muitos ficaram amantizados, com vidas duplas e triplas, por esses mares fora, continentes adentro, cheios de filhos da saudade e da paz, que procuraram na cúpula, um momento em que pudessem apaziguar-se com Deus e adormecer. Ah, se estes sapatos me saíssem agora mesmo dos pés, voluntariamente, que feliz seria. O tal do alívio no sapato apertado. 

Dizem que os homens pequenos são velhacos ou dançarinos. Não vejo a coisa assim. O que acredito quando o povo gravou este ditado era que se referiam ao tamanho do homem na pequenez, na falta de escrúpulos, na militância da gula. E não é que os grandes em altura também? É tudo pilar do mesmo vintém! Na escassez da ética. Homens sem carácter são como jardins sem flores. Como uma escola sem alunos. Como a minha silhueta desenhada nesta clareira, a tentar catar sanchas para o arroz e não te alcançar mais. Nem o teu porte, ou os teus olhos, a travessura do teu sorriso, a doçura que pingava mel das tuas mãos na minha pele, antes do dia findar. Tens poucos amigos, meu amigo. Nunca acreditei na inveja ou na raiva, nas máscaras, nem no Carnaval. Sempre preferi acreditar que ou os vences ou não te juntas a eles. Não me junto a eles. Lembras-te do Aníbal que não é Cavaco Silva? Pois bem, eu também (...). Fiquei aqui a pensar: Não me digas que o cozinheiro se escafedeu entre um vómito e uma cuspidela, entre uma canja de galinha e uma francesinha à Penafidela, depois de um fado no matadouro local?Pois bem, pareceu-me mal. Eu disse-te que nunca gostei de política, mas é dos políticos que eu não gosto mesmo, porque nos comem as entranhas, nos enganam nas artimanhas, escondem-se nas vielas, põem máscaras de anjinhos. Este deve ser amigo da família dos Magalhães, portanto, do tempo do Sócrates, não é o filósofo, é o que tem amigos que lhes dão apartamentos não é na Sourbonne, mas em Vila Meã, que é onde chicos-espertos mais há, que deve ter algures uma Ínsua, onde se podem ver fragas desfraldadas pelo tempo, pela maldade e concupiscências musicais. O mundo da música é belo, já os que usam esse mundo para se fazerem passar por músicos são amarelos. Que lhes raia a farda ao sol, que andam é a ter aulas de anzol, a ver se ganham carcanhol com os teus negócios, meu menino. Invoco a Agustina. Não o vizinho. A paranomásia é improvisada, mas já que te não serve de asa, que te sirva de telescópio, para veres onde mora tanto Pinóquio. Pobre Gepetto, que a montanha pariu um inseto!

Dissolvo-me no nevoeiro, por ser sebastianina, e volto à cafetaria naquela zona malfalada, mas que tem gente a sério. Depois do café e da nata que nunca foi a Belém, encontro-me com um verdadeiro artista do mundo do além. Chovia copiosamente, só pra estardalhar e desviar atenções e gente passava, uns de tshirt e calções e outros de guarda-chuvas e ainda outros buzinando orações para o motorista da frente. Ri-me, pra não chorar, que pra isso bastava o tempo a fazê-lo por mim. Não era intempérie, era antes restolhada do karma que aí vem, montado nos quatro cavalos. E o senhor V....vem na curva, apanha-me a apagar  o cigarro a meio, no cinzeiro da rua, na sala de chuto de ninguém, a descer pro bote, e atira-me a sorrir: Uiui, não chove pra quem desce? E eu a sorrir mais ainda, bendizida pela chuva, que não tinha tomado banho pra poupar na conta da água, rematei, por enquanto só chove pra quem sobe! Pisquei-lhe o olho e pensei que os cemintendes estavam cheios de gente que tinha subido tanto que era obrigada a descer algum dia. 

Agora que já estrebuchei, vou te dizer o que vi mais ainda: Eles, ungidos num lençol de varas curtas, a servir de colchão aos aflitos, enquanto despejavam intestinos aos gritos para um imenso paiol! Fecham-se as cortinas. O autor inverte os atos. O plágio aos artefactos e a inspiração como bebedeira, com samicas caganeira, de caga merdeira, dos autos de Gil Vicente, a parva senta-se ao leme, rasga o ultimatum recebido, urge a toda a fragata o destino preferido. 

Que ninguém te toque com um dedo. Só se for com um livro.  Que de magia também percebo (é esta lua em gémeos, que protege a ambos) e os transformo, aos inimigos, todos em morcegos! Beijinhos da Ella Foice, a que veio ceifar e separar o trigo do joio! Au revoir.

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