Ana Porfirio
foto de Ana Porfírio
Há um bocado passei frente ao cinema e pensei que era um sitio agradável para me sentar no escuro e desligar, mas outros valores se levantam e os preços dos bilhetes de cinema já pesam, entre os filmes em exibição está “Os Jogos da Fome”, por um momento ocorreu-me que era um filme explicativo do memorando da troika, até porque levei parte da manhã confrontada com cada vez mais famílias que pedem apoio alimentar, que eu já não tenho para dar, porque ainda não consegui fazer o milagre da multiplicação, por outro lado também suspirei de desespero com a informação oficial que em vez do fornecimento habitual de excedentes de produção da União Europeia (até o estômago dá voltas quando penso que num mundo onde há fome haja esta aberração dos “excedentes de produção”), mas dizia eu que em vez do carregamento habitual que inclui: massa de vários tipos, farinha, leite em pó, arroz, açúcar, sobremesas lácteas, bolachas, queijos e manteigas, este ano será restrito a três alimentos: bolachas, farinhas lácteas e leite. Adiante, afinal o filme não tem nada a ver com isso, segundo me disseram, mas bem podia ser, afinal se já se fizeram Programas de TV para encontrar parentes, pedir desculpas, resolver crimes com recurso a médiuns, bem como pagar contas em atraso, bem que se podia fazer uma longa-metragem sobre os Jogos da Fome, sobre esta coisa de tentar vazar o mar a bochechos, sobre a brincadeira da especulação bolsista e imobiliária, sobre esta ideia parva de se ter os custos energéticos bem como os impostos nos píncaros, os salários pelas ruas da amargura e esperar assim a retoma da economia, o que basicamente é estúpido, porque sem consumo o dinheiro não circula, as receitas fiscais baixam, sem investimento não há desenvolvimento, sem emprego não há consumo, numa eterna pescada ramelosa de lábios na cauda, entretanto fui tratar de outras necessidades emergentes porque o meu frigorifico parece as estepes geladas da Antártida e a despensa parece o deserto do Saara, enquanto vou tendo ordenado vou conseguindo repor o povoamento dessas coisas, se bem com o recurso a marcas próprias e a acabar a falar sozinha com a conta do supermercado a tentar perceber como é que cada vez menos coisas dão uma conta tão grande, entretanto vão-se jogando estes jogos de azar, onde se substitui emprego por cantinas sociais, onde se substitui solidariedade por uma caridade pindérica, onde a agressão a jornalistas é justificada pelo facto de não se terem identificado como tal, como se qualquer outra pessoa fosse menos pessoa por ter outra profissão e como tal as bastonadas fossem admissíveis.
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