André Breton


             

                                    


Girassol
(A Pierre Reverdy)

A viajante que atravessou os Halles ao cair do Verão
Caminhava em bicos de pés
O desespero rolava pelos céus seus grandes arões tão belos
E na mala de mão escondia-se o meu sonho esse frasco de sais
Que só a madrinha de Deus aspirou
Os torpores pairavam como vapores de água
No "Chien qui fume"
Onde o por e o contra acabavam de entrar
Difícil lhes era ver a rapariga só de soslaio a viam
Estaria eu perante a embaixatriz do salitre
Ou da curva branca sobre fundo negro a que se chama pensamento
O baile dos inocentes estava no auge
Nos castanheiros incendiavam-se devagar os lampiões
A dama sem sombra ajoelhou-se no Pont-au-Change
Na Rua Gít-le-Coeur outros eram agora os timbres
as promessas da noite cumpriam-se finalmente
Os pombos-correio os beijos de socorro
Vinham juntar-se aos seios da bela desconhecida
Dardejados sob o crepe dos significados exatos
Uma quinta prosperava em pleno centro de Paris
Com suas janelas viradas para a Via Láctea
Mas ninguém lá morava ainda por causa dos que viriam a aparecer
Dos que mais dedicados são que as almas do outro mundo
Alguns como esta mulher mais parecem nadar
E no amor insinua-se algo da sua matéria
Ela interioriza-os
Não sou joguete de nenhuma força sensorial
E, no entanto, o grilo que cantava sobre os cabelos de cinza
Certa noite junto à estátua de Étienne Marcel
Lançou-me um olhar cúmplice
André Breton disse ele vai a passar


in O amor louco, Editora Novas direções
(ppgs 74, 75)

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