Roussel, Breton e o surrealismo





Estará presente a partir de 24 de Março (até 1 de julho) uma exposição surrealista única no mundo.
Locus Solus, no Museu de Serralves, em parceria com o Museu Reina Sofia (Madrid), apresenta a primeira grande exposição sobre a figura do poeta, dramaturgo e romancista francês Raymond Roussel (Paris, 1877 – Palermo, 1933). A mostra, intitulada Locus Solus será imperdível. Impressões de Raymond Roussel sublinha a enorme influência que o autor exerceu em criadores contemporâneos, oriundos tanto do campo da literatura quanto das artes visuais.

                                  Vladimir Kush






A exposição é composta de aproximadamente trezentas peças, entre pinturas, fotografias, esculturas, ready mades, instalações e vídeos, para além de livros, documentos, revistas e manuscritos originais – suportes através dos quais se refletirá sobre a influência de Roussel em alguns movimentos de vanguarda, especialmente no surrealismo. Alguns dos reconhecidos artistas com obras na exposição são, entre outrosMarcel Duchamp, Francis Picabia, Max Ernst, Salvador Dalí, Jean Tinguely, Joseph Cornell, Rodney Graham, Marcel Broodthaers, Man Ray, Roberto Matta, Guy de Cointet, Ree Morton, Terry Fox, Cristina Iglesias e Francisco Tropa.   


                                  Salvador Dali




Cortesia Wikipedia
A palavra surrealismo supõe-se ter sido criada em 1917 pelo poeta Guillaume Apollinaire (1886-1918), jovem artista ligado ao Cubismo, e autor da peça teatral As Mamas de Tirésias (1917), considerada uma precursora do movimento.
Um dos principais manifestos do movimento é o Manifesto Surrealista de (1924). Além de Breton, seus representantes mais conhecidos são Antonin Artaud no teatro, Luis Buñuel no cinema e Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das artes plásticas.
O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido primeiramente em Paris nos anos 20, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Reúne artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo ganhando dimensão internacional. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Um dos seus objetivos foi produzir uma arte que, segundo o movimento, estava sendo destruída pelo racionalismo. O poeta e crítico André Breton (1896-1966) é o principal líder e mentor deste movimento.



                                              Sigmund Freud





Encontramos características do estilo em combinações do representativo, do abstrato, do irreal e do inconsciente. Entre algumas destas metodologias estão presentes a colagem e a escrita automática. Segundo os surrealistas, a arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, buscando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos.
No manifesto e nos textos escritos posteriores, os surrealistas rejeitam a chamada ditadura da razão e valores burgueses como pátria, família, religião, trabalho e honra. Humor, sonho e a contra lógica são recursos a serem utilizados para libertar o homem da existência utilitária. Segundo esta nova ordem, as ideias de bom gosto e decoro devem ser subvertidas.
Mais do que um movimento estético, o surrealismo é uma maneira de enxergar o mundo, uma vanguarda artística que transcende a arte. Busca restaurar os poderes da imaginação, castrados pelos limites do utilitarismo da sociedade burguesa, e superar a contradição entre objetividade e subjetividade, tentando consagrar uma poética da alucinação, de ampliação da consciência. Breton declara no Primeiro Manifesto a sua crença na possibilidade de reduzir dois estados aparentemente tão contraditórios, sonho e realidade, “a uma espécie de realidade absoluta, de sobre-realidade [surrealité]”.
A escrita automática procura buscar o impulso criativo artístico através do acaso e do fluxo de consciência despejado sobre a obra. Procura-se escrever no momento, sem planejamento, de preferência como uma atividade coletiva que vai se completando. Uma pessoa escreve algo num papel e outro completa, mas não de maneira lógica, passando a outro que dá sequência. O filme Um Cão Andaluz, de Luis Buñuel, por exemplo, é formado por partes de um sonho de Salvador Dalí e outra parte do próprio diretor, sem necessariamente objetivar-se uma lógica consciente e de entendimento, mas um discurso inconsciente que procura dialogar com outras leituras da realidade.



                                     Max Ernst




Esse e outros métodos, no entanto, não eram exercícios gratuitos de carácter estético, mas, como disse Octavio Paz, tinha um propósito subversivo: abolir uma realidade que a sociedade vacilante nos impôs como a única verdadeira. Para além de criar uma arte nova, criar um homem novo. E até certo ponto, pode dizer-se que o objetivo foi cumprido. O homem "ampliou-se", não se deixando entregar aos preconceitos e estereótipos que a sociedade "moldava" com frequência, na atribuição de papéis. A Arte é ela própria autónoma, ela e o seu criador deixaram de se confinar a métodos, técnicas e leituras de acordo com as expectativas que os críticos, os patrocinadores e no fundo, o vasto público de artes esperavam dele e das suas obras. 
No panorama português, não podia deixar de o fazer, incluo apenas no campo das artes plásticas, o pintor, poeta e prosador José Fernando Lobo Duarte, de Coimbraporque me é próximo efetivamente, porque a sua pintura, a sua poesia contestatária, ambas me provocam os sentidos. São formas revolucionárias e ainda assim coloridas, por vezes agressivamente coloridas, por vezes docemente timbradas de um surrealista que não dá tréguas a si mesmo nem aos objetos da sua criação. A exteriorização é fértil, por vezes rude, indisciplinada, inconformista e sonhadora. Poderia acrescentar um sem-número de nomes, quer dos já falecidos recentemente, quer dos que ainda continuam a produzir arte e a provocar socialmente, mas escolho, propositadamente, ficar-me por aqui.



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