O mundo desaba

 

One of us - all of us



O sofrimento da vida faz parte. Ainda que não nos lembremos da alegria no nosso caminho, ela existe e persiste e é medida pela nossa fé. 


Estou doente. Fisicamente doente, psicologicamente abalada por uma sucessão de acontecimentos menos bons. O meu Tomás chamou-me há cinco minutos atrás com urgência e preocupação. Para que fosse espreitar a minha mãe, a avó dele.

Ela ouvia uma oração no quarto. De costas para nós, de joelhos no chão e com as mãos a segurar a cabeça apoiada na cama. Não é trivial e muito menos bom. Sei dos cansaços dela, das mágoas dela, da sua tristeza e luto. A vida dela é um luto contínuo, apesar de ser bem disposta, inteligente e curiosa. Completará 79 anos o mês que vem. Como aplainar este medo que me rasga o peito, este nó na garganta pelas dores que ela carrega? Tento dar-lhe colo com frequência, conversar sobre afetos. Para que possa deitar para fora o que ainda lhe dói, o que sempre a martiriza e preocupa. A minha mãe foi órfã de pai aos cinco anos. Aos dez perdeu a mãe. Os irmãos todos mais velhos, cada um na sua vida. Ela só. Teve que lutar para ter o seu lugar ao sol. Não sabe dar afeto, a não ser cozinhando e se doando aos outros. Não é pessoa de dar abraços ou de mostrar afetos. É mental e lógica. Racional. Tenta abrir-se ao que não teve. Quem pode dar o que não possui ou não aprendeu a dar a si própria?

Só damos o que somos, o que temos. Todo o resto é impossível. 

E o agravante é que sabe dar, mas não sabe receber ainda. Por isso, a minha mãe que sempre foi agnóstica, que nunca soube o que era fé, a não ser confiança na sua luta de se erguer e reerguer, deseja conhecer o Teu Poder de compaixão. Foi esse o seu percurso e essa é a lição que me passa. Eu tento mimá-la, animá-la, mas uma mãe não se deixa enganar. Ainda há dias me perguntou: Cristina, como rezo? Como pedes tu ao Deus que acreditas? Expliquei-lhe o mais resumido possível que não há segredo nisso. Falar com Deus é falar e não papaguear o que a igreja ensina. Ter uma relação diária com Deus, íntima e saudável é falar com Ele como falamos com quem nos dá o seu tempo para nos ouvir. Deus é isso. Compreensão infinita dos processos e colo sem limites aos seus filhos. Assim é Deus, o nosso melhor amigo que carregamos dentro de nós. Nós somos centelhas divinas D'Ele. Nós somos Ele. Nós o experienciamos. Será necessário ter essa consciência. Deus não está fora, mas dentro. Deus não é estranho, mas faz parte da nossa corrente sanguínea e mais do que isso, experiencia-se através do nosso coração e mente. A alma é o seu veículo. 

Para os racionalistas, entendo, é complicado acreditar no que se não vê. Mas aquilo que se não vê é a Totalidade e a Realidade. Não o contrário. O essencial é invisível aos nossos olhos (O Principezinho, Antoine de Saint Exupéry)

 E quando vê os seus menos bem, ajoelha e pede ao Pai consolo. Ah Pai, rasga-lhe o peito e entra dentro dela. Ela deseja conhecer-te intimamente. Deposita a Eva criança que ela tem dentro dela no Teu colo e dá-lhe amor e esse consolo e paz que só de ti vem. 

Quanto a mim, ainda choro mais quando a vejo assim, desesperadamente procurando a fé. 

Paizinho, porque não falas tu com ela como falas comigo? Dá-lhe o Teu Amor. Injeta-lhe força e coragem. Sinto que em breve o corte se dará. Fá-la ganhar a consciência dessa Fé para que a jornada dela seja cumprida totalmente na Luz. As mães não deveriam partir. Não com dor e mágoa. E peço-te por ela que já tanto sofreu nesta vida e nem por isso se deixou de doar ao próximo. E a ser justa, nunca esperou nada em troca. 

Por outro lado, não deixes que os meus filhos que receiam conhecer-te, se revoltem contra ti, quando o momento de partida dela se der. Aconchega-os e fá-los compreender da tua existência e propósito em cada uma das suas vidas. Que se cumpram os teus desígnios. E aqui a chuva não para de lavar ruas e almas. Uma sexta que desce trazendo na data memórias de outras partidas anteriores. Que o Sol se não demore a romper as trevas. E que todos os que nos queiram mal recebam compaixão, amor e entendimento, para que os que carregamos as dores do mundo possamos ser aliviados também. 

Deus é fantabulástico. Não combatam isso. Escolham das armas, o amor. E saibam, a morte não existe. Existe a transformação e a continuidade eterna. Somos Imortais. Bem à sua imagem. Tal como nos disse. 

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