Tiago S e o Farol Abandonado
saber ser deus
Quando estava prestes a morrer, não fiquei desesperado por mim ou com medo da morte. Minhas verdades estavam fragmentadas, assim como o que eu entendia por personalidade. Era o fim. Não importava mais os desenhos imperfeitos encrustados nas paredes do motel.
Eu era da morte e ela era minha.
Resgatei, por um cordão de consciência quem eu era. Eu era pai dele. E isso me definia. Eu era filho dele. E isso também me definia, apesar das desavenças. Eu era filho dela, apesar da distância outrora estabelecida.
Eu era irmão deles e nossas infâncias se refletiam. Eu era ex namorado dela, dela e dela. E elas moldavam os limites da minha existência e do meu afeto.
Soube assim quem eu era. E que tudo continuaria de qualquer forma, indiferente ao meu choro, meu sangue e minhas convicções.
Encontrei deus. E descobri que estávamos jogando um bem elaborado jogo que criamos para lidar com o tédio. Ele sempre muito bem humorado. Lembrei quem ele era e ele tirou sarro da situação. E eu dei boas gargalhadas com ele acerca do furo no universo que foi a criação. Ah se eles soubessem… Que não há palavra que contenha a imensidão do “estamos fodidos e perdidos”. Tive uma epifania. Eu era ele. E ele era eu. “Então por que estamos conversando?”. E rolamos de rir à revelia da realidade. Criamos mundos e testamos as teorias clássicas da evolução.
Era hora de descer. A ambulância estava a caminho. A enfermeira me penetrava. E o caos dizia adeus. Passei pelos estonteantes delírios da humanidade e o cume da invenção do meu diabo com gosto de cerveja quente. Era dualidade novamente. A violência inata da existência e da natureza. Tudo é disputa, inclusive e principalmente, o amor.
Voltei… Não morri a não ser por aquele momento. Jim Morrison voltou a fazer sentido, as pessoas voltaram a esperar algo de mim. E eu poderia me afundar um pouco mais no eterno gozo de destruir o que é a mais bela e inócua criação.
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