Francisco Pinto Balsemão







A solidão por escolha
Solidão, estar só, sentir-se só,
não tem forçosamente 
conotação
negativa.

O filho único, como eu, aprendeu, desde muito novo, a brincar sozinho, a dormir sozinho. Ainda hoje, e creio que para sempre, preciso e gosto da solidão, de não estar com outras pessoas, de comunicar apenas comigo, de ouvir a música que escolhi quando quero, de passear sem companhia por onde me apetece, mesmo que seja apenas no meu jardim. As outras pessoas não compreendem muitas vezes este gosto, esta necessidade de solidão. Sentem-se desconsideradas, acham que não temos paciência para elas.
A tomada de uma decisão, seja ela qual for, é sempre um acto solitário, mesmo quando seja para aceitar decisões de outros. Desde a escolha da marca da pasta de dentes à mudança de canal de televisão, tomamos, todos os dias, centenas de decisões, que determinam a nossa vida e pelas quais nos responsabilizamos, e que são, em si, cada uma delas actos solitários. Há situações mais visíveis, mais relevantes – casar, ser operado, comprar ou vender um negócio, mudar de emprego – em que as consequências são mais fortes e a solidão do chamado momento decisivo é maior. Mas por mais opiniões que ouçamos ou documentos que consultemos, o podermos decidir, sempre solitariamente, é a prova de termos personalidade e vontade própria, é o testemunho, perante nós próprios e os outros, do exercício da nossa vontade individual.
Nas artes, nas letras, nas ciências, a solidão é condição de progresso e de afirmação. Os ofícios de escrever, de pintar, de esculpir, de descobrir a equação que levará à revelação, são por natureza solitários. Não é por acaso que solista e solidão têm a mesma raiz etimológica.
Tudo isto para concluir que a solidão, da qual ninguém escapa, tem coisas boas e não pode ser vista nem vivida como sinónimo apenas de desgraça, angústia e tragédia.



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