A culpa é do Alprazolam
Não durmo. Não sou capaz de me dar descanso. Falo com Deus. E pergunto-lhe o porquê de tantos mistérios na minha vida. Nasci para sofrer. E repito a Deus uma e outra vez que é injusto tudo o que tenho passado, não podendo negar as origens, devo perceber, com calma porque vivo todos estes processos.
Isto não é um "coitadismo" meu. É purgação, é revolta, dor, DOR, MUITA DOR e mais revolta e chamo-lhes todos os nomes que me ocorrem.
Escolhemos a família na qual vimos a nascer, a crescer. A escolha antecede a nossa chegada. Carregamos connosco o enxoval com que vamos viver cá em baixo, neste plano pequeno, nesta dimensão medonha de tanta maldade e moléstias. Pudesse ter nascido numa caverna e sido educada por animais. Seria, porventura, mais feliz hoje? Creio que sim, mas faz tudo parte do mistério ainda oculto. Deus pede-me paciência. PACIÊNCIA! Quem pode ter tanta paciência?
A noite passada eram seis e meia quando me deitei para baixo, eram dez da manhã e já estava acordada. Os meus dias são sobrevivência com doses de paciência. As minhas noites verdadeiros tratados de angústia. ALZIRA, que fizeste tu na vida passada???
- Devo ter arrumado com o planeta, sem querer ou quiçá com maldade, visto que nesta vida pareço não ter tido direito a uma pontada sequer de ódio, sequer a quem me faz mal. Dou comigo em monólogos internos de compaixão. Desculpando sempre quem deseja que eu morra e que a vida não me corra! Malditos sejam! Este é o meu momento de maldade! Só meu! Só para mim!
E a música traz o lenitivo. Fui ainda agora ao quarto da minha mãe pedir-lhe que me arranjasse um triticum, que é a única droga legal que há cá em casa, deixei acabar o alprazolam e quero deixar de tomar todo o tipo de medicação. Dizem que não posso, não devo. Não os ouço. Não quero saber. Se Deus é comigo, ninguém contra mim. Ah, o bisoprolol tem que ser toda a vida, mas que toda a vida o quê? Se Deus me garantiu que vai curar-me o coração e devolver-me tudo o que me foi roubado, item por item. Este coração vai ter que aguentar a vida agitada e ficar calado.
E penso em ti, que estarás a fazer? No cinema com ela, ou quem sabe, numa viagem curta de fim de semana, ou ainda sossegado a beber um copo com o teu grupo de amigos. Eu estou aí, contigo, em ti. E quando choro, são os teus olhos que choram em mim. E quando rio é o teu sorriso que me lembro. Já sei, estou a bater mal do caco! Pois que esteja, prefiro bater mal, pensando em ti do que lembrar-me da minha vida toda. Cinquenta e quatro anos e tanto que lamentar...
E enquanto escrevo, olho-te e sorris para mim e daqui a nada, deito-me para baixo e fecho os olhos e volto ao exercício recorrente, subindo o estradão de paralelos íngreme até ao Cabeço e dás-me a mão e tudo é verde e azul, e quando chegamos lá acima, os homens e as crianças movimentam-se à volta do espeto do porco e das bifanas, da romaria, do coreto, da música e sento-me a ver-te conversar com a família, com os amigos e, de repente estamos em casa da Almerinda, na cozinha, onde a lareira baixa e escura de uso abriga os potes de três pernos, onde a braseira se apronta e o aroma da sopa dela enche-me a boca de saliva, e depois, bem, depois um café feito ali na hora, fresco e a volta para a nossa casa e, nada do que vivi neste vinte e cinco anos aconteceu. A varanda do nosso quarto, abriga o ninho de corujas que piam enquanto conversamos, a palmeira agita-se e tu estás ali ao meu lado.
Um dia tudo isto passará. Um dia, em breve.
Irei pro mundo e levar-te ei comigo, vou raptar-te, arrancar-te da rua Formosa, esconder-te. Ou não! O mundo dá muitas voltas e nós com ele, cambalhotas cheias de mistérios e Deus pede-me para fechar o computador e levar-te pro sono e eu vou obedecer prontamente que esta pastilha é potente pro mundial!
Meu querido, amo-te. AMO-TE BUÉ
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