Diante dos meus olhos, desfilavas nu

 



Has anybody seen my love?

E ele disse-me assim: A literatura nunca se pode confundir com a vida, menina.

Aquiesci. Sabia o que pretendia dizer com aquilo. Entendi-o, imediatamente, muito embora, a vida de cada um transportasse verdades que não o eram para todos.  Todos carregamos verdades próprias e eu também as carregava dentro de mim. O fogo rompeu numa chama em uníssono com o que eu tinha a dizer-lhe. O incêndio acontece como vaticínio para o outro, que o toma como bem lhe aprouver. E as chispas em labaredas toldaram-lhe a voz, mas não a impediram de proferir a sua sentença:

- Pois não, meu caro! A não ser que a literatura seja a própria vida. 

Virei costas e caminhei para o meu destino. A própria ficção, a que muitos chamavam de mentira, vinha a ser a verdade de outros, algures espalhados pelos seus mundos distantes, sim, porque todos tinham os seus mundos particulares e a cada qual cabia conhecer-se a si mesmo e dizer da sua verdade. E se a ficção era combatida com a ciência, em bom rigor, o que a distinguia de transportar verdades que eram mentiras noutras dimensões? A desvinculação era essencial para o prosseguir da vida que a esperava, entre mundos.

Quando regressei ao meu minúsculo aposento, já tu tinhas crescido e te movido por ele, como se sempre estivesses estado ali, ao alcance das minhas mãos. E eu vi-te nu, tal como vieras ao mundo, despido de vaidades e inseguranças e embalavas os braços, como se ouvindo uma melodia que rasgava as paredes e eu, embriagada pelo teu corpo dançante, vi-me diante do espelho que tu eras e iniciei essa dança, seguindo-te os movimentos, copiando o frenesim do teu espírito, enfeitiçada pelo teu sexo hirto e extravagante, enquanto ia removendo todos os empecilhos das vestes que me permitiam executar o papel social que me desgastava tanto. O desejo era uma volúpia que se misturava entre as gotículas de suor na tua fronte e as minhas mãos húmidas, entre a tua boca e as minhas coxas tremeluzentes. O incêndio era ali, entre a tua presença e os escombros da mulher social que se demitia plenamente do seu protagonismo judicial para se ater apenas e só ao vigor da tua masculinidade e à tremura do desejo, lascívia feminina de te pertencer. O mundo era este aposento tão pequeno e nele cabiam todos os sonhos que um dia ousara esquecer. O coração era esse órgão conciliador, um contigo e despertara para nunca mais obedecer aos outros, apenas a si mesma e ao outro que sempre foras, num crescendo apoteótico e também eu ouvi as harpas e as trombetas, o violino e os pianos acompanharem essa valsa que desenhaste para nós. A dança tribal levar-nos ia ao patamar dos deuses, onde todas as fomes eram saciadas pela fera interna do amor. 


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