Deste ofício de te amar no extremo da paixão

  



Teci algumas frases para desmontá-las na tua presença. Pensei que a noite seria minha cúmplice. O cenário com lua no canto superior direito, uma lua nova a crescer até dezassete. Uma lua preparada para receber novas direções e novos alentos. Um espírito renovado de fé e resoluções. A terminar o ano astrológico, e tão longe ainda de satisfazer o que procuro. Há imensas frases cheias de palavras, alguns adjetivos e tantas onomatopeias. E claro, pródiga em injetar-me fé, intercalei os meus sonhos com novas metanoias. Uma outra forma de te ver. E de me extasiar. O escapismo é-me absolutamente insubstituível. Preciso-o para me compor o cenário, que o poema não se contenta com o falacioso e o verosímil. Com hipérboles e metáforas e mais um sem fim do que conhecemos.

Teci-as durante a noite, enquanto os homens se escureciam entre as mantas, e as estrelas se fixavam, depois de desfeito o nevoeiro. Não as açoitei para que me obedecessem e nem as larguei, como se, de improviso, tivesse sido o seu parto. Não, logo eu que sou avessa ao caos do mundo, num intervalo de detalhes e de oclusões. Deixei, somente, que o meu olhar se desprendesse, para que não sentissem o cativeiro da opressão linguística. Sou a favor das liberdades responsáveis. E sabia que o que queria ofertar-te teria que ser regido pelo eu que te habituaste a conhecer e a amar em mim, e não pelas nuvens densas e obscuras que te habitaram muito depois de partires. Queria tanto de mim em ti, tanto que és em mim, ainda. A reciprocidade nem sempre se nota. A sinastria não é mais do que a ponta, o resquício de um comprovativo que de nada serve. Como o da lavandaria. Sim, garante que lá estiveste, mas no final das contas, só dá para colocar no IRS remendado das intenções, sejam elas boas ou menos. Bordei as tuas iniciais no início, para teres a certeza de que tal lavor te era intencionalmente dedicado. E as letras uniam-se com vontade própria formando as palavras que se juntavam para o bem do todo, numa frase. E foram várias as frases que teci, para o efeito de te provar rendição. E a rendição é o ato de resgatar a verdade de um ofício. Deste ofício de te amar. Os olhos, ambos, filtravam e corrigiam a tecedura dos anos de intervalo entre o que sinto e o que entrego. No quando.  Este agora decido já. E até entregar-to não era garante, e nem pretendia ser, de lavagem cerebral ou êxtase, mas o total desprendimento e entrega de uma dívida que me corroía as entranhas. Era teu. Pertencia-te. O meu coração. E se a leviandade do mundo pressentisse a pureza dessa entrega, conspurcaria a oferenda e comprometeria todo o ato, levando-o ao absurdo e à hostilidade comezinha, dos seres que não amando, se enraivecem pela dureza dos seus próprios e doentes corações. Em secretismo, oculta dos holofotes do inimigo, fui tecendo o ouro que foi purificado pelo fogo, em mim, pelas dores que a vida me emprestou. E numa análise criteriosa, teria que ceder direitos de autor aos inimigos que me chumbaram de espadas e de esgares e gritos. Decido não lhes prestar louvores dessa forma, ressalvando-me o direito de agradecer ao todo, pois foi o todo que me levou a ti, mais uma vez. E se um dia foste o imperador do reino em que habito, deverás saber que nunca deixaste o teu trono. Que é teu com exclusividade. E andaste em guerras contínuas, travadas entre a noite e o dia que se cruzaram, tantas vezes, na injustiça e na cobiça dos teus subordinados. Que te exigiam mais e mais. A quem foste dando tudo de ti, sem nunca guardares para ti. Resta-te a tua luz que é um foco no mundo obscuro de interesses e megalomanias alheias. Manténs-te puro e intacto. Não obstante as feridas e os danos dos que nas tuas costas te cravaram punhais. Choraste sozinho. Ajoelhaste ao pé das feridas e pediste compreensão. Conheço as tuas dores, os teus desafios e a tua entrega. Conheço a tua mente. Que te mentiu tantas vezes. E reconheço o teu coração. Foi para ele que teci o ouro que trago comigo. Para te coroar de diamantes e esmeraldas o teu manto. Para te ofertar o consolo dessa coroa que sempre esteve na tua cabeça, mas repara bem neste insólito, soprado pelo céu: Só a podes ver com os olhos do teu coração. Que este tesouro é de conteúdo imaterial. É o meu amor infinito e incondicional. 

Está aqui. Deixo-to e vou. É teu. Levo-te no peito, como uma mãe no ventre germinado. Da paixão que acalentei, se manteve peculiar, insólito e de abismar, o amor eterno que sempre procurei. E que encontrei, felizmente, bem cedo na vida. E a lua vai em crescendo, de sombria e misteriosa acolhendo as pérolas debitadas em sua honra, homenageando todas as sacerdotisas que respeitam o manto escuro tecido de estrelas, o cenário vai revelando o que estava oculto e descobrirás que deste império foste sempre o rei de aquém e de além dor, permanente, insubordinado e ausente apenas no plano físico. E que, algures, entre o silêncio e o refrão do grande final, te recordarás vividamente quem és e quem sempre fui em ti. Como se tivesses deitado num plano e amanhecesses num planeta diferente. Quiçá, descubras o que te encobriam e a serventia das mentiras e que as rasgues, despedindo-te delas, como se fossem velas gastas do mastro de galhardete do navio que comandas. Tu és a minha direção, ainda que nesta terra venham a ser bem longínquas as coordenadas que nos separam. E eu sou o vento gelado que te acorda de um registo demodé e anacrónico. Tu és amor eterno e absoluto.

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