Literatura, clausura e ignorância

 

Os meus avós maternos, Bernardina e Vitorino


Escrevo para me sentir viva. Estou viva. A cumprir os desígnios e a empurrar a existência para jardins secretos onde a falta de virtudes não existe. No meu jardim, tudo é perfeito e de acordo com a ordem superior. Em minha casa, os livros são mais do que os berloques. Na minha vida, as letras e a música habitam-nos como doces fantasmas e cercamo-nos do que nos faz bem. 

A última dívida chegada na quinta-feira, em forma de execução já foi liquidada, a juntar a todas as outras que me fizeram e que terão de dar conta em tribunal. Não obstante a queixa da vizinhança sobre os meus animais, chegou mais uma queixa da EDP. E eu continuo a sorrir, porque não tenho medo de nada. NADA. Isto é revelador do que esta aldeia medonha significa na minha vida. Uma escolha que, de romântica em 2006 se vem materializando o inferno na terra. Compreendo tudo. E dou a importância que quero. Acreditem as pessoas saudáveis que viver entre selvagens não nos muda, não nos diminui, ao contrário, passa a ser o divisor de quem somos, de quem são os outros. Sempre apreciei o campo, as árvores, os regatos, o estio e a tempestade. Continuo a apreciar tudo isto e a distinguir a natureza do planeta da natureza maligna das pessoas. Se antes não dava importância à vida dos outros e vivia a minha própria vida, agora faço-o, avisada de que a espécie humana é capaz de tudo. Sinto pena dos incultos, a quem ajudei, misericórdia por todos aqueles que se recusam a crescer e veem na malignidade uma forma de ser. Escolhas tristes. Mas não me compadeço da miséria deles. São escolhas. A família consanguínea, de mim nunca terá mais do que a porta fechada. Não voltará a abrir. Corto tudo e todos da mesma forma que os restantes aldeões e lembro os fantasmas dos tios com quem privei, esses sim, devo dizer que tenho orgulho da sua humildade e pureza. Pessoas humildes sim, mas que gostavam de aprender e sabiam de culturas, da natureza, das luas e da importância das mesmas nos cultivos. Os seus descendentes, infelizmente e na sua grande maioria (família enorme) pouco virtuosos. Um livro para eles, serve para mostrar quem não são. E usam-no para sacudir moscas ou acender lareiras. Nunca passarão de gente ranhosa e com piolhos na alma. Gente soberba que inveja o que são os outros, desfilando nas igrejas e na via pública nos seus fatos domingueiros a cheirarem a falta de banho e falta de cultura. Que o altíssimo se compadeça destes vermes que tudo fazem para ver mal quem os ignora ou lhes retira qualquer importância. Na minha vida nunca mais terão importância e na vida dos meus filhos nunca tiveram. E enquanto este povo iliterato e medonho desfia mais maldades contra nós, vou lendo. Allan Kardec faz parte da minha mesinha de cabeceira, mas ontem foi Siddharta de Herman Hesse, já na sua 30ª edição e Alice Bailey. A minha vida quem a escreve sou eu e não o que dizem dela. Poucos me conhecem e nenhum deles me reconhecerá outra vez. Ladrões e vigaristas, que pouco possuem de benigno para passarem aos poucos deles que optaram pela cultura e pelo respeito a si mesmos e que, mal possam, fogem desta ignorância. Porque a ignorância é uma doença peçonhenta e contagiosa que vai desgastando, tal como a água e eles preferem ser calhaus. Eu escolho usar os calhaus com que me atiram para escrever. 

Os ninhos de víboras não estão nas matas, as víboras estão nas suas casas, normalmente gordas, obesas, gordurosas invejando a vida alheia e dela querendo fazer parte. A família da minha mãe é pródiga nisso, na inveja, na ignorância, na falta de virtudes. Querem mostrar o que são com o que têm. Eram mais gente quando nada tinham, a não ser a lembrança dos das cidades os acudirem, trazendo-lhes roupas e um pouco de civilização. É assim que me lembro deles, imundos, de casas imundas, de lençóis imundos, cheios de percevejos, ranhosos e invejosos; mas eram eles e não os bibelots com que vestem casas e corpos, numa tentativa de enganarem o espelho. Porque ao espelho, a alma não os engana. Por isso, os relances que lançam aos mesmos é olhando os enfeites e cobiçando o alheio. 

Não suportam a verdade, não sabem lidar com ela e querem mascará-la e só se enganam a si mesmos. A tudo isso fechei a porta. Não quero saber se são filhos, sobrinhos ou primos. Para mim, são ignorantes e malignos e não os quero perto. Não convivo com eles. Faço questão de afastar esses resquícios, tal como a vizinhança que me envenena os animais. Para mim são personas non gratas! 

Seria perder o meu tempo e ele é valioso. A minha mãe, talvez por ser a mais nova conseguiu desvincular-se disso. Cresceu com pessoas cultas, sequiosas de humanidade. Sempre a conheci a ler, a aprender, curiosa e bem-disposta, disponível a ajudar e até a conviver. Quis vir para esta aldeia, romântica como eu, acreditando que tal como ela, as pessoas eram humildes e despertas. Também a minha mãe, com 79 anos continua a ler e a instruir-se. E a aprender duras lições sobre a sua própria família. Hoje, tal como eu, reconhece que são miseráveis, gente que não é gente, gente que rasteja para saber da vida dos outros, quiçá para preencherem o vazio das suas próprias vidas. 

Nós não somos dessa raça. Nunca fomos. Nunca seremos iguais. Nas nossas veias corre curiosidade e respeito pela condição humana que quer evoluir. E os acessos reticulares da mediocridade ficam fora, lá fora do nosso portão. Não há chamadas de família nem nada. Silenciamos esses ruídos à lei da escolha pela paz. Todos vocês ficam fora do portão. Este muro separa-nos e, simultaneamente, nos liberta da escuridão que se colou às vossas peles e cérebros, às vossas escolhas em querer mal quem vos fez bem. E não digo isto com leviandade, mas antes com anos de estudo. Continuamos a acreditar na espécie humana, porém, nem todos são dignos desse crédito. Existem pessoas que acrescentam, a inteligência é saudável, quando associada ao respeito e humildade, já a ignorância é, efetivamente, doentia. Afastamo-nos da ignorância e da maldade como pragas bem mais perigosas que a covid dezanove ou o monkey pox. E enquanto vocês nos desejam o mal, nós nada vos desejamos, a não ser a saudável distância que o nosso portão e muros nos asseguram. Aquilo que, por acaso, vierem a saber de nós, será através da leitura e para isso, terão que deixar a ignorância e a preguiça de lado e me lerem. E isso faz-vos sair do buraco onde se escondem. E provavelmente a se acrescentarem de mais veneno ainda. Touchée ao vosso veneno. Cuidem-se. Há criaturas que morrem do seu próprio remédio. 

Comentários

Mensagens populares