Jorge de Sena
Ir ou não ir, eis a questão
Eu vou, tu vais, eu não vou,
ele não deve ir, tu não queres que ele vá,
eles têm medo de ir, que os excomungam
e quem vive das dignidades repúblicas precisa
de não ser excomungado pelos melcatrefes.
Se este mandasse, ninguém lá ia, se aquele mandasse
só iam lá os génios seus amigos dele.
Há sujeitos que há trinta ou quarenta anos
representavam de santos, mas nunca sacrificaram a coroa
nem a palma do martírio, só pintadas.
Há outros que há dez, ou só há dois
são vestais coxas que vivem de farpas
deixadas podres pelo bisavô nacionalista.
Ir ou não ir, eis a questão que é outra.
Reabra-se o Bairro Alto ao seu destino
de não ter apenas redações de jornais
e restaurantes de fado. Haja liberdade
de cada um regressar à profissão antiga
com decência, dignidade e silêncio,
sem precisão de "ballets roses" ora dançados
na imprensa da direita que se faz de esquerda.
Que estes senhores possam finalmente realizar
sem literatura a sua vocação e gemam só
profissionalmente para maior satisfação do freguês.
in Dedicácias, Jorge de Sena, Gráfica de Coimbra, 1999
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