Demasiado grande



Demasiado grande pra guardar em mim

O chão continua cinzento, hoje lambido pela chuva,
onde andam os arco-íris? 
gotejando melodias intemporais, de um tempo 
onde se bordavam poemas entre acordes e conversas. 
O chão perde a cor destes lamentos que não quero meus,
na nostalgia de dias inteiros onde sobram horas grandes
que falam da desconexão de ti, mas sobretudo do teu exílio
Lá fora, o chão guarda qualquer improviso
e eu cá dentro permaneço, recordando pranto e riso
E cresceste em mim, como crescem os prédios
como crescem as noites de verão
como se agigantam as ondas em risco de colisão
O chão era da mesma cor do teu olhar
apagado de mim pela distância que impuseste
tu, no continuar de quem foste, nesse continuar das eras
em que me mataste pelo cansaço da espera
e já morta, ainda te quero
Lá fora, o chão guarda qualquer novo viço
e eu cá dentro permaneço, escoltada pelo ciso
E cresceste em mim, como crescem os prédios
como crescem as noites de verão
como se agigantam as ondas em risco de colisão
O chão não perde as nuances dos amantes
conserva-as, como antes,
antes do tempo em que partiste
na geometria sólida do círculo
e te fizeste quadrado, esquecimento, dor e omisso
que ninguém tem nada a ver com isso, 
um paralelipípedo que te liberte, 
um cubo de gelo que derreteste
nas fogueiras de mim
Lá fora, o chão guarda também a tristeza 
do teu olhar sobre o momento
em que me tornei presente
O meu chão é o atalho em que pisas
onde se galgam montanhas, 
onde pensas e concretizas
onde conservo as minhas cicatrizes,
sem penas e sem racionalidade alguma
E o chão é fermento de padeiro
para quem controla as horas do tempo
de um tempo que cresce como cresces tu 
nas minhas noites e me alongas os cabelos
os cílios, os pelos, e toda eu me enrosco
no teu pescoço como náufraga de ti.
e enquanto cresces, crescem as casas que deixamos
de habitar, crescem as nuvens de pensamento,
crescem jardins de sementes 
doiradas e ventos de florir, 
as chalaças no olhar de outros, crescem 
tempestades e até crescem as crianças
vestidas noutras idades, já adultas
já comprometidas com um tempo maduro
de escolhas, e enquanto tu cresces 
se me alongam prenhas as esperanças 
e é nelas que peço a escuridão,
que me anoiteça o corpo e a alma
porque lá fora, o chão já não te sabe guardar
senão eu do sonho em que te hei-de parir.
e canto-te aqui e agora para te mostrar
como cresceste refrão e te tornaste 
demasiado grande, sobras inteiro, ainda, 
de costas escorregas pelo chão,
por seres demasiado grande, demasiado doce
cabes inteiro e sobras, por fim, nesta canção.





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