Diz do meu nome que renasci neste Natal
Espreito pela vitrine. Múltiplos objetos obstruindo a visão. Cá fora, três mulheres conversando sobre o tempo em que o Natal era feliz. Ah, os mortos serão sempre as peças do puzzle que fariam com que esta quadra se mostrasse repleta de alegria. Resmas de gente carregando embrulhos de última hora, bolos-rei e no ar, o cheiro de canela. Basta, disse a si mesmo, basta. Este "agora" não era o que queria. Sequer o que merecia. A volatilidade humana dir-se ia que se adaptava a todas as coisas incongruentes. Aceita-se o que se não quer, na ilusão perene de vir a viver o que foi, lá atrás. Lá atrás, foi o passado que passou e esta redundância tinha ela se recusado a ver. Ali estava tudo o que precisava ver, naquele semblante de uma mini reunião, onde entre cafés e suspiros, as amigas descobriam. O véu do absoluto e do impossível.
A vida não pode ser só isso e a manifestação dos sonhos tinha se tornado apenas e somente em expectativas ocas e afinal, o amor é o que temos cá dentro, sem necessidade de exteriorizar ao outro, especificamente.
Ela não era perfeita, mas por que raio esperavam dela a perfeição? Nunca tinha sido da sua vontade sê-lo. Pisou as folhas do parque, enquanto, sentada naquele banco do jardim, deambulava os olhos pelas suas memórias. Cansaço do mundo, do seu. Não admitiria mais alimentar-se de sonhos, onde a sua realização dependesse dos outros. Os seus sonhos, a partir de agora, teriam que ser só seus, onde a sua conclusão seria benéfica para si. Deixar de contemplar a felicidade dos outros haveria de se tornar o seu main stream.
Titubeou entre dentes, de si para si, isto vai dar uma grande volta. E do exterior, muitos são sempre aqueles que dizem te querer bem, mas nunca melhor do que eles, porque assim são, na sua base, os humanos. O que logrei foi sempre de menos, atendendo a que me entreguei muito mais do que pretendi para mim. Por que raio se esquece uma pessoa da sua vida, colocando os outros acima de si mesmo?
O sofrimento humano deveria ser a ignição de mudanças sociais. Ao contrário, os tempos vinham amenos, o que quer dizer de menos, pois o sofrimento tornara-se o veículo comum, deixando de ser a motivação para melhorar o conjunto. Já se operava, atendendo a essa "circunstância" permanente. Pobres ou miseráveis, os que aceitavam passivamente tal facto, nem sequer se atrevendo a mudar. Aguardavam o todo se impor por eles, aguardavam milagres, sentados nas suas vulnerabilidades e resquícios de esperança.
Vou mudar tudo. Vou! E isto era, mais que uma promessa, uma vontade hercúlea. As vendas haviam caído. Os outros eram os outros. Não queria mais continuar a olhar para os outros. Tornar-se iam secundários.
Não voltou a olhar o interior da vitrine. Vitrines há muitas e estava cansada de olhá-las. De procurar algo que a fizesse querer. De ora em diante, o que pretendia era segredo a ser criado por si mesma. E ao olhar as folhas amassadas no chão, um pendente que brilhava causou-lhe um susto. Ali estava o seu amuleto. Deus guiara os seus passos ali, onde estivera apenas duas ou três vezes. Encontrara, mais do que o que havia perdido, o que tinha sido desviado. Ali, encontrara em concreto a resposta que procurava desde 2010. A vida é isto. Paciência e empenho e, só então, a concretização que, em tradução livre chamamos de milagre. Está feito. E o meu sorriso abriu uma flor de lótus interna. E essa chama era o início do incêndio que eu própria provoquei. Sim, amo-me. E todos os depois seriam construídos tendo em conta uma só pessoa, em primeiro lugar. Eu, obviamente.
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