Olhe que não, doutor!
6 de Novembro de 1975, RTP1
O balbuciar do "olhe que não, doutor" de Álvaro Cunhal, na altura secretário-geral do PCP, argumentando com o seu ex-aluno, Mário Soares, à data, secretário-geral do PS, evidenciava a luta a ser perdida pelo PCP, a favor do socialismo. Entre as belas páginas da Visão, destaque-se a "nobreza" de carácter de um personagem apelidado de "O presidente-rei", cuja redação é do jornalista Filipe Luís, onde se destaca o seu sentido de estado que há muito já vem faltando, como adjetivo de elenco no panorama político, antes mesmo da saída do pai do socialismo para lides mais domésticas. Entre os vários artigos, inteiramente dedicados à vida de Mário Soares, destaca-se Salgado Zenha, Olof Palme e muitos outros que lhe garantiram, não só o apoio (com o alto patrocínio de imensos humanos), bem como o exílio e as consequentes vitórias no país, face ao risco de "recaída" em novas ditaduras. Sócrates, seu amigo e, também ele ex-primeiro-ministro socialista, polémico quanto baste, também consta deste belo dossier, bem como Cavaco Silva, Freitas do Amaral, António Guterres, Jaime Gama, Rui Machete e Ernâni Lopes, estes três últimos, junto de Soares (é fixe) "elevaram a nação" a rumos mais iguais ao restante da Europa, quando assinaram o tratado de adesão à comunidade económica europeia, que nada teve de consensual, sobretudo pela oposição da esquerda radical, representada por Álvaro Cunhal e mais tarde, pelo secretário geral substituto de Cunhal, que são estes pedaços de história que nos trazem entendimento e memória, e que figuram como a versão oficial de acontecimentos da altura, para os amantes de história política contemporânea, sobre o socialismo e, nomeadamente, sobre Portugal, o país entristecido até ao 25 de Abril (25 de Novembro) de 1975 e que trouxeram a tal lufada de ar fresco, muito além desta data.
"Olhe que não, doutor", repescado, é uma bela pérola do meu passado.
Este debate mui célebre foi moderado pelos saudosos José Carlos Megre e Joaquim Letria, naquele que foi o debate dos debates, com uma duração superior a três horas, ainda se debatia o país e as suas políticas, mas também a demagogia dantista que inspirava aos idealistas utópicos, aos revivalistas do salazarismo e aos etceteras pululantes, de todo e qualquer quadrante, desde os extremos aos moderados, a saírem da caverna e a serem cidadãos interventivos sociais e políticos. Foi o primeiro e, quiçá, o último debate político com esta duração e a ferocidade professor vs aluno, em toda a história da televisão portuguesa.
A Visão (a última) que agora é quadrimestral e se refere ao período de Dezembro de 2024 a Março de 2025, levanta as lebres, aponta os caçadores ilegais, e dedica desde a capa, com parangonas gigantescas e mui nobres ao pai do socialismo português (de esquerda não comunista) a Mário Soares, ao corpo todo, do tempo em que ainda se produziam sentido de estado, compromisso e vergonha neste belo jardim da Europa ou balneário algarvio. Tudo depois do adeus.
Estive a passar os olhinhos pela Visão inteira e não deixa dúvidas, se as houvera, que o Estadista, o desejado filho, o aluno medíocre dos preceptores Agostinho da Silva e Álvaro Cunhal, o belo marido de Maria Barroso (que nunca foi figura de estilo na sua vida, mas sim uma ativista de esquerda e a grande rede de apoio do marido), desde primeiro-ministro, a presidente da Républica, foi figura de destaque no mundo inteiro e assim se manteve, mesmo após a sua saída das lides políticas. E quando se debate, hoje, sobre regimes democráticos e figuras de libertação, este é o português mais consensual de todos os que fizeram parte do panorama político da altura.
E depois do adeus, foi o Paulo de Carvalho, o mote musical, a cultura gritante de contestação antirregime ditatorial, a par com Ary dos Santos, Sérgio Godinho, Tordo, Zeca Afonso e tantos outros que libertaram os toiros (que os vampiros já proliferavam) em fúria contra a prisão ilegal e desumana, o cinzentismo e a ignorância a que Salazar dava voz e, a que a Pide dava corpo, como a carbonara operária nos tempos da república, ou por outras palavras, os operacionais corporativos e castradores da nossa liberdade. Este alinhamento planetário de hoje, garante-se pelos estudos intensivos e permanentes dos astrólogos, não deixará pedra sobre pedra. Toda a naftalina comida das traças será recordada. O socialismo nunca será consensual, em termos de escolha política, mas só em Portugal se distinguia em termos filosófico-teórico do socialismo noutras latitudes, diz-se. Eu digo que a censura é a figura de apanágio de todas as ditaduras, mas que há liberalismos pseudodemocráticos atuais e vigentes na sociedade atual que tresandam a ditadura, que promovem o medo e que denunciam corrupção, com sintomatologia aviltante e persistente de falta de sentido de estado, de compromisso e muita falta de vergonha! E se figuras ilustres como Álvaro Cunhal e Mário Soares fizeram a diferença no contexto de setenta e no desenvolvimento que nos arremessou para a Europa, eu prognóstico que os valores que foram, desde então, abduzidos e que fazem parte de toda e qualquer democracia saudável, serão repostos e trazidos a nós pelo tal alinhamento planetário, que os vejo, não como a moderna e mediática nova ordem mundial, mas antes o governo sombra. Como no RAP. Só que sem o humor que o caracteriza. Saturno, Neptuno, Nodo Norte (não é um planeta), Mercúrio, Vénus, Sol e Lua, tudo a olhar para a fotografia. Para a posteridade e com um adeus ao velho e fedorento status quo, que não nos serve mais, eu peço aos planetas: Digam Liberdade ao invés de queijo! E depois rio-me de mim mesma, primeiro porque sou apenas uma senhora inconformada com a falta de verticalidade institucional, política e social, anti hipocrisia e anticorrupção, e depois porque, como ilustre figura anónima, cabe-me a invisibilidade e, a não menos importante democracia (ainda) representativa, para afirmar que não sou conivente com comportamentos anacrónicos de servilismo e de compadrio que vigoram pelo país adentro e mundo afora. Serve o presente rascunho para reiterar que serei uma das voluntárias destes senhores planetários, uma "agente" do "oportunismo" de mudança para novos paradigmas sociais, com o guardanapo no braço esquerdo e a bandeja na mão direita, fazendo jus a todo e qualquer idealista que se preze. A Régio o que é de Régio. A Zeca o que é de Zeca. Ao meu pai, o que é ainda dele. A minha voz expressa.
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