I wrote you a letter
Escrever é melhor do que falar...
Adivinha. Ainda chove e ainda faz frio. O desumidificador retira uma gaveta de água a cada seis horas. A ver se diminuo a humidade do ar. As peletes continuam a carburar na caldeira e o Rocky continua a ladrar aos cães intrusos que descobrem buracos na rede e invadem o espaço por causa da Kiri, e sim, a Kiri está com o cio. Desde que os vizinhos chamaram a polícia (o ano passado) e que a mesma trouxe os veterinários da câmara, que me prometeram que iam ajudar-me a resolver a questão. A Kiri precisa, dito por eles, de um veterinário que possua uma pistola de injetar, para que possa ser anestesiada e ter direito à esterilização que tanto merece. A veterinária que cá esteve até me prometeu trazer um amigo da Maia, que tem essas pistolas de longo alcance. Dizer parece que é uma coisa fácil. Fazer nem tanto. Andei, portanto, gripada e doente da perna, a correr atrás dos cães infratores e a tentar remediar os buracos na vedação. Eu remendo e os vizinhos voltam a romper a rede para que a coisa não corra bem. O meu filho diz que não adianta nada eu perder tempo com isto, que pareço o comandante a tentar salvar o navio que mete água por todos os lados. Já enviei email à polícia, dando-lhe conta das minhas suspeitas, com nomes e tudo. Assim, passei a tarde a remendar. Foram horas a fazê-lo. E a comer laranjas no meio da azáfama, para ver se crio mais anticorpos contra a gripe que está a afetar o país, quiçá o mundo. Em momento nenhum, deixei de pensar que também tu estás doente, que também a ti a gripe capturou, que também tu deves estar a passar momentos menos bons. Mas claro, isto sou eu a imaginar. Quando te for visitar a Pérpignon te mostrarei os calos que fiz nas mãos, se ainda os tiver, do esforço com as cordas e os rebites. Ah, a orquídea que me trouxeste continua viva e com boas cores. Já queimei a sálvia que me trouxeste. A oração é minha. Não usei a daquele postal que me trouxeste no Natal. Pedi pelos animais todos, que mais nenhum vizinho se atreva a envenenar mais nenhum. Quando estas coisas acontecem com esta gente daqui eu pergunto ao meu pai: Paizinho, porque vim parar aqui, aos medievos? Com tanto lugar no mundo, eu poderia ter nascido na América do Sul, na India, no Tibete, no Bangladesh, Porto Rico, onde as pessoas são verdadeiramente humildes e quando não sabem perguntam ou investigam. Mas depois, já sei o que ele me diria: Filha, foste tu que escolheste!
Espero que aquela temporada que passaste na Guarda ou em Lamego (ou foi em Viseu) não te tenha feito mal, o oxigénio, presumo, seja melhor por qualquer desses lados, os salpicões também e sempre têm bares onde se pode ouvir música e comer uns petiscos e ver teatro, e fazer teatro. Mas também o podes fazer aí, onde estás agora. Espero que o faças. Faz-te bem. Eu própria estou a ponderar, saindo daqui ir ter com a Graça e pedir-lhe entrada na próxima peça que ela faça. Uma temporada de teatro renova-me as forças. O teatro faz bem a todos. É como a música. Espero que os teus peixinhos estejam bem e que ainda se lembrem de mim. Que os camarões que te lavam os aquários estejam valentes, depois de tanto tempo de ti ausente, deduzo que o teu amigo não tenha feito faxina aos lavagantes. O coiso já está quase pronto. Conto sair daqui até Maio. Se te fizer uma visita antes, é porque Deus me retirou daqui antes. Não te arrelies com nada, deixa a vida te levar e perdoa-me não ligar. Nem atender. Nunca gostei muito de telefones. Recebe um abraço. E vê se ganhas uns quilos. Estás um gimbra do camandro.
Cristina
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