A arte como compressa à dor

 



A música sempre me salvou. De uma noite mal dormida, de um conflito, um atrito, uma desfaçatez, manipulação de quem se acredita um deus de mim, de um estado de tristeza profunda. Primeiro, foi a música, os livros, a dor dos outros retratada e entendida, comparada e refletida na minha, nas minhas orações com acordes que mediaram sempre todos os processos, uma peça de teatro, mãe coragem, muitas óperas e viessem mais,  e tantos monólogos sem voz, tantas rasuras de papel escondidos até de mim, sempre foi a música e também as palavras, que curavam, tratavam, trataram, curaram, feridas das que se não vêm, nem tintura de iodo, nem álcool e nem fogo, só a música, os livros, os audiovisuais que se interpunham entre todas as mágoas do mundo e o meu coração aberto.  Mas não há cura para o amor. A cura dele é vivê-lo, mal ou bem, dentro e fora, sempre dentro, sempre dentro, fechado, escondido, guardado, qual tesouro, caixa de pandora, escondido, guardado, magoado e sofrido, e agora entendo que neptuno em escorpião era para chegar a este rahu de peixes, para me vencer e me libertar das dores todas, da água, tanta água dentro de mim, tanta, tanta! E hoje, tanto tempo depois, racionalizo tudo, corto tudo, todos no mesmo rolo, o vazio é que me acalma, a solitude da alma, e fico só com os remédios, o placebo, o que já tinha, esta alma cansada, deito fora o medo, e fico nesta música que me embala, os livros, os cadernos, os audiovisuais e a dor dos outros, que escrevo que desvelo, sem piedade da que comigo vinha, que na dor dos outros vai impressa a minha, não escondo, não guardo, não quero fazer da dor um culto, quero antes que se avisem os meninos e meninas, as mulheres que as dores terminam, não se domesticam, não são aceites, é necessário denunciá-las, expô-las, açoitá-las, como elas fizeram conosco, não há mais exílio, nem disfarces de sorrisos, nem alçapões nem asilos à dor, há caminhos entre dós sustenidos e fás bemóis, há poesia a subir ladeiras, há palcos e cadeiras, há mariposas e pardais mas encobrir a dor, nunca mais.  Há danças e bailarinos, e pintura abstrata, salas de convívio e papagaios de pirata, mas violência gratuita e simulação de amizade ingrata não! Há artes infinitas e muito mais ainda, mas calar e engolir é que não!

Os caminhos para a libertação não se chamam conformação e nem medo, nem piedade dos outros e nem compressas de gelo, não! É coragem em pedir ajuda, denunciar, é gritar se for preciso, mas calar, não!

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