PJ Harvey & Sadalmelik


A fénix transforma, a cada um de nós, em várias peles. Por ti, tenho morrido e ressurgido outra, para ti, tenho colhido mel, sem nunca ter sido apicultora.
Por ti, já fui abelha e flor, penedos e animal de caça, eu já fui a tua casa,  e hoje, com esta distância toda, que distância nenhuma anula, que ao amor não há barreira que segura, sou-te só este néctar que me sobe da glote para te falar do amor, tu que ainda és alma, espírito, mente e estratega, e ternura e candura, e amor e entrega, és-me tudo, outra vez, desde o início de tudo, do que sinto, do que me fazes sentir, do que ficou e cresceu, do que é impossível descrever, deste princípio e fim e meio e tropeço em ti inteiro, sem embaraço, e tantos dirão "sem nexo", mas que sabem eles do amor que não me tenhas ensinado tu, me tenhas desenhado nos sulcos da pele da minha juventude de mulher, que se gravaram na posteridade, os teus dedos, as tuas mãos, nos meus medos e na minha paixão, escondido de mim por décadas, oculto para me preservar, sei-o agora, mas se to não disser, quem to dirá, eu que te reconheço e que por ti me transmutei, de onda do mar escalei-te pelo dorso e virei tsunami, de romper  em soluços de saudade, sem qualquer esforço, uma pedra comum chutada na estrada de terra, um vale, uma serra, uma colina a emoldurar as maçãs do teu rosto, de te amar como uma mendiga que pede pão e a quem deste tu tudo, e preciso desvelar, dizer-te, preciso falar-te, necessito que acompanhes o processo de morte, este de transformar-me em outra substância, outra coisa qualquer que não mulher, para te poder espreitar o rosto, para te ver sorrir e poder desmaiar no teu odor, para me encher de ganas e por décadas, séculos e milénios te preservar mais do que o esboço em que o tempo te reduziu, que tu és todo amor, tu és todo o esplendor de vida, de seiva que me deu guarida e só o teu nome, que poder, meu deus, o teu nome semeia em mim campos de trigo e de cevada, semeia em mim momentos de ócio e tantas noites de enxada, sem repousar, sem contemplar verdadeiramente o teu corpo, que em mim ficou  a festa  e o alvoroço, que semeaste, que em mim deixaste o canto, o riso e a fonte onde saciar a sede, deixaste o mar e o monte, todo tu te fizeste penedia, todo tu jardim à luz da lua, na estrela em que te tornaste, amor, repito o teu nome, tantas vezes quantas te preciso, atribuo contornos ao teu perfil imóvel, e desfoco da imagem a fotografia, voltando a oitenta e quatro, a noventa e sete, permaneço inquieta, agitada, apaixonada, mas o que me move és tu, e desenho-te os lábios na imprecisão dos meus olhos cerrados e às tuas pálpebras cubro-as de beijos de seda, e vou descendo ao lóbulo da orelha, ao sorriso que te desenho de esguelha, e aspiro o odor do teu pescoço, e dispo-te o casaco e qualquer outro obstáculo, qualquer peça, e estremeço por imaginar-te o corpo, que só de olhos cerrados o vejo mover-se a enlaçar-me os ombros, os braços, a encontrar nas labaredas, nas chamas do meu desassossego, finalmente, o porto com o nome de adorno onde me dispo, Faustino e te monto e sendo uma contigo, faço parte do contorno do futuro, que dizes já passado, onde decidiste permanecer, no infinito do grito que tenho calado, o imperador do amor. O meu amor por ti ainda é de gente, de carne e osso, pensamento urgente de consciência humana, quão gentil ser vieste ser, cientista, mágico, pastor, apicultor da minha eterna paisagem, porque vieste ser a minha casa e em ti entro descalça, rodeio-te os quadris, me sento e na minha alegria, neste meu contentamento, nesta fantasia de te fazer eterno, conservo o teu olhar morno e límpido, preservo a tua energia à volta de anjos, e sinto o alento de Deus que está em todo o lado, dentro e fora de quem vieste ser. Fecho-me para a noite, com os olhos molhados e não é dor, mas saudade, não é raiva, e sim entendimento de que para ti fui acidental, mera mortal e que só em Deus te sou sacramento. E volto a ser a casa onde repousas quando estás só, quando te abandonas ao pensamento de mim, onde semeaste tu o jardim com um lago, com uma mãe e um filho no centro, numa homenagem à vida e me vês a encher marés, estando perdida. Mas, eis-me de novo vencida pela memória de te ser querida, uma vez mais, neste golpe de asas, onde Fénix, me desmonto em cinzas e na brisa do vento, beijo todo o chão onde deslizas e te fixas, no céu, no firmamento e te edificas constelação. E do tempo, se desprendem as histórias, que nos conduziram aqui, aprendendo sobre o amor e as vicissitudes urgentes da vida, e ainda assim, se calei, já não calo, se ocultei, te hei desvelado, necessitando da testemunha fiel do papel em que te escrevo, que amar é silenciar os obuses e transformar penitências e cruzes no seu controverso antónimo. Tu és a minha casa e eu sou o teu lar, e a mim me fizeram ungida por Deus e a ti, sem ferida, nem mácula, afortunado e feliz. E ainda me sobra o teu nome associado a quem sou e hei-de cantar-te até ao fim dos tempos, até eu própria virar vento e tu sadalmelik.

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