A justiça prescreve, a injustiça nunca
Ontem, já bem tarde, recebi email do meu representante no tribunal, onde pretendia ver feita justiça na minha vida, por um caso de violência doméstica. Fui vítima de fraude consentida, ao abrigo de um matrimónio, enquanto ele existiu, depois de ele ter terminado. Quando o tribunal inocenta um criminoso, condena duas vezes a vítima. E assim é. Não sou a favor da justiça popular. Não resolve nada. Não sou a favor de nenhum tipo de violência. Sou pacifista. Que este texto sirva para as senhoras e senhores que dão o seu nome dentro dos matrimónios, para depois serem lesados e estropiados. Nunca emprestem o vosso nome. Nunca permitam essa violência.
Com a minha demissão em 2012, na escola onde lecionava Psicopatologia Geral, no âmbito da saúde mental, por motivos pessoais (divórcio), comecei a concorrer para o estrangeiro. Estava casada na altura com um homem que recebeu alguns louvores da administração interna e era coordenador de investigação criminal na Psp. Um excelente funcionário. Um mau marido. Que me violava a liberdade, que nutria ciúmes por tudo e todos, até pelos meus animais domésticos, dizendo que eu era mais meiga com eles do que com o próprio. Fui vítima de violência psicológica. Até decidir não o ser mais. Pediu-me para não me divorciar que lhe sujava a folha de serviço, porque já tinha um divórcio anterior. Consumia álcool como se se tratasse de água. Mas só vinho do bom, dizia com frequência.
Aceitei protelar a situação, para não lhe sujar a folha de serviço, porque a minha querida mãe me dizia: ai de ti que te divorcies, sem ter trabalho seguro para poderes pagar a tua prestação sozinha. Olha que eu não te ajudo. Isto em 2010.
Em 2012, demiti-me da escola onde lecionava e me satisfazia, mesmo auferindo pouco e sem ter um horário completo. A minha mãe pressionou-me sempre para deixar a escola, que haveria de aparecer algum posto mais consonante com as expectativas de independência que eu possuía. O meu então marido fazia chantagem emocional: se levares em frente a ideia de te divorciares, eu deixo de pagar e a tua mãe, enquanto fiadora do crédito, terá que se chegar à frente. Os dois eram muito amigos. Eu era a intrusa. Com o auxílio de um primo, fui a entrevistas em Angola, em vários, sítios, onde me garantiam lugar como professora auxiliar, etc. Por esse motivo, da viagem que fiz e, convencida que iria ficar em Angola, pedi à minha mãe que me tomasse conta do meu filho, então com 13 anos na altura, enquanto eu ia a entrevistas de trabalho, ver as possibilidades, durante um mês, de ficar em Angola a trabalhar. A minha mãe recusou-se. O meu irmão também. Das possibilidades entre ficar com um casal de "amigos" que frequentavam a minha casa até aos padrinhos nos Açores, ao meu filho, magoado por a avó e o tio se recusarem a ficar com ele, durante esse mês, pareceu-lhe mais apetecível os Açores. E assim foi. Ela era minha amiga de juventude e ele era o marido dela.
Numa conversa franca, garantiu-me que se corresse bem, trataria da passagem do meu filho e do envio dos seus bens por navio, assim como tinha recebido as suas coisas. Que no caso de não dar certo a minha ida para Angola, eu teria que aceitar que ele terminasse o ano escolar e só então voltaria. A minha ida a Angola não correu bem. Não gostei do ambiente, de me chamarem pula, da corrupção da gasosa, da facilidade do crime e da forma que tratavam os assuntos com os brancos. Voltei. Abri uma loja na cidade do Porto. O meu "marido" continuava a viver na minha casa. Visitei o Tomás inúmeras vezes, até que me foi proibido pela minha "amiga" despedir-me do meu filho de manhã, antes de ele ir para escola e eu ir para o aeroporto. Chamei um táxi. O meu filho ouviu a discussão e deve tê-los convencido a irem ter comigo ao aeroporto para ele se despedir de mim. O casal acompanhou-o. Eu já tinha feito check in quando os vi. De mim, não receberam nem mais um sorriso. Ao meu filho, olhei com imensa tristeza.
Enviei-lhe passagens para vir estar comigo no natal, na Páscoa, nas férias de Verão. Foram passagens para o lixo. Eles temiam que se ele voltasse a estar comigo, não quisesse voltar. Ou que eu o impediria de voltar. Eles não podiam ter filhos, mas não queriam adotar. As crianças de Rabo de Peixe eram pobres de inteligência, cheiravam a miséria e ela era avessa a sangue que não fosse mais adequado aos seus padrões exigentes. Um filho criado era bastante melhor. Com treze anos, não precisavam de limpar fraldas, de dar biberões, de ficar acordados durante a noite, de levar o menino para os hospitais e ficar lá aos quinze dias sentada num cadeirão, em cada internamento seu. "Arranjaram-lhe" uma namorada, tentaram-no comprar com surf's e com red bulls e com outras coisas menores que não vou nomear. Um ano depois, na data do seu aniversário, a 10 de Julho, pressenti uma traição. Não sabia o que vinha, mas sabia que vinha. E veio. No dia do meu aniversário, a 21 de Julho, não recebi a carta, pois a loja fechava às segundas. Recebi a carta na terça, 22 de Julho, tão logo abri a loja. No chão, havia duas cartas. Uma do meu filho e outra do casal.
Na carta do meu filho dizia que gostava dos Açores, que adorava fazer surf, que tinha conhecido uma menina, com quem estava intimamente às quartas, em casa dos padrinhos, pois só lá estava a empregada de limpeza e que queria estudar biologia marinha e que os Açores tinham a melhor faculdade de biologia marinha.
Na carta dos padrinhos, davam-me a conhecer que iam tentar "adotá-lo", porque queriam que ele fosse feliz e que a nossa conversa de amigas tinha sido só uma conversa, não havia nada legal que pudesse confirmar que ela se tinha comprometido a cumprir a palavra de, no final do ano letivo, me permitir que o fosse buscar. Nem um mês depois, fui convocada para ir a António Patrício, à segurança social e ouvi da boca do procurador que me recebeu um: vá buscá-lo imediatamente, leve este documento, faça acompanhar-se de dois elementos da gnr e se for preciso, dê uma tareia à sua amiga e traga o seu filho pelas orelhas. Não vamos abrir precedentes para um menor de treze anos fazer o que quer, nem para pessoas sem carácter, como se revelaram os seus amigos poderem "adotar" crianças que não se encontram disponíveis para adoção. Deu-me um documento.
Saí de lá. Fui para a loja e telefonei para a "amiga" que me tentava roubar o filho. Foi uma conversa feia. Tentei entender sempre a sua falta de fertilidade e, noutra altura me ofereci para auxiliar, no caso de necessitar de óvulos. Ela não queria óvulos. Queria um filho que pudesse chamar de seu, de preferência já criado. Como se fosse um animal de estimação. Ou um pobrezinho a quem dar a sua psicose e a sua riqueza. Não o fui buscar. Falei com o meu filho. Garantiu-me que pretendia lá ficar. Que podia suportar as suas maluquices, que o padrinho era boa pessoa. Que isto e aquilo. E no final, pediu-me: Mamã, só não me ligues todos os dias, por favor. Ou vai-me custar muito e vou ter mais saudades tuas.
Cumpri o que me pediu. A depressão instalou-se, mas empurrei-me sempre para a loja, para a esperança, para o dia seguinte com sol. O sol deixou de aparecer em muitos momentos. Não me levei para um psiquiatra. Não tomei medicação de espécie nenhuma. Deixei que se instalasse a desesperança. Deixei derrotar-me e comecei a ter uma vontade única: a de desaparecer. A de morrer. Eu, pró-vida, eu otimista, eu sempre de sorriso em riste. Eu, vulnerável, eu derrotada, eu cheia de saudades do meu filho. E ter outro filho não substitui nenhum outro. Tenho dois rapazes. Amo-os como se ama a si mesmo. Darei a vida, se preciso for por cada um deles. Mas dei por mim com essa vontade de morrer. Uma vontade estúpida e aniquiladora. E por duas vezes, me refugiei em álcool. Foi assim que casei com este último marido que se fez passar por meu amigo. Que foi meu amigo nesta altura, que me impediu de entrar na linha do metro e ser abalroada por um deles. O primeiro que viesse. Ali, na zona de Matosinhos, junto ao continente. Este "amigo" encontrou-me alcoolizada por duas vezes, deu-me chã, empurrou-me para a luta, dizendo: se ele te disse para não lhe ligares todos os dias, vais começar a ligar todos os dias. E assim foi. Ligava com videochamada. Não queria ver os padrinhos. E quando eles viram que não o podiam controlar, nas chamadas e nas saudades, escreveram-me novamente. Dizendo que como estavam com ele, ele iria adoecer se eu não convivesse com eles, que tinha que facilitar a vida deles. Por causa dele. Apelavam à minha empatia, tentando estremecer a apatia que me despertaram. Já não havia empatia. Substituíram-na por revolta. Na Páscoa seguinte, tinha o meu filho a dizer-me que lhe comprasse uma passagem aérea, que vinha. Disse-lhe que sim. - De ida e volta, certo?
-Sim, mamã. Assim que terminar o ano letivo, quero voltar.
E assim foi. Casei com um amigo que se revelou meu inimigo. Que me fez muitas dívidas, que me bateu duas vezes, que me humilhou mais do que trezentos e sessenta dias ao ano. Tive muitos colegas que se fizeram passar por amigos, para beneficiarem da minha bondade e amizade incondicional. Não tenho amigos. Tenho inimigos de estimação, declarados e ocultos. Tenho gente sem carácter que enquanto eu lhes fazia proveito, abusaram de mim, com a minha permissão. Não tenho amigos. Não preciso de amigos. Eu sou minha amiga. Eu.
Hoje, com cinquenta e seis anos, aprendi tardiamente que deveria ter-me imposto mais com o ex-marido, que só saiu daqui, com ordem de despejo, apenas em 2020. Quando pude regressar a minha casa. Não o fiz. Não estou arrependida.
Aprendi que nunca deveria ter ido a um procurador sem ter um mandatário ao meu lado. Aprendi que a justiça não é justa. Que a corrupção é um mal maior e transversal dentro da nossa sociedade. Aprendi a ser mais tolerante comigo e menos tolerante com os outros. Aprendi a ouvir a minha intuição. Aprendi a não acreditar em tudo o que me dizem. Aprendi que os seres humanos estão, deveras, desumanizados e adeptos da sangria e das touradas romanas. O tanto que nunca aprendi durante cinquenta anos, aprendi agora. Com os requintes de malvadez que usaram comigo. Não generalizo a humanidade. Não são todos desumanos. Mas aprendi que devemos colocar limites a todos os que nos querem sodomizar. Mesmo que sejam da família, mesmo que tenham o nosso sangue, mesmo que digam que nos têm amor. Aprendi que o amor se revela nas atitudes e se acaba nos intervalos. Aprendi que ninguém deve calar e protelar, que ninguém deve acreditar que pode mudar os outros. Que quem não tem carácter, nunca terá, que quem não muda, terá um excelente professor, mais à frente, que o fará mudar, quer queira, quer não queira. E aprendi a distanciar-me da solene hipocrisia, dos abutres. A não permitir o desrespeito, nem as insinuações, a ignorar os que falam por falar, os que falam da vida alheia sem conhecimento próprio, os que julgam e condenam, os litigantes de má-fé, os agentes do alheio, os invejosos. Aprendi a dizer não e a mostrar os limites emparedados nos meus valores, sem ter que me justificar a ninguém. A não ser a mim própria. Aprendi que ser bom não é ser burro, nem otário, nem palerma, nem madre teresa, nem mãe joana, nem o raio que os parta a todos. Aprendi já tarde. Aprendam os que não aprenderam ainda. Os valores não se vendem, não se trocam. Isso são os produtos. O que se partilha na humanidade são os valores, que nos fazem comungar com ideais. Não são corrompíveis, porque se forem, não são ideais. Não são valores. A reciprocidade tem de ser a lei que rege os valores. E se acreditam que a justiça funciona, vejam como se opera no mediatismo e no protagonismo da podridão. Os inocentes pagam pelos crimes dos culpados e somos todos culpados por permitirmos tais injustiças. E é isso que as crianças aprendem connosco. A nossa atitude ou a falta dela. O nosso silêncio enquanto consentimento.
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