Eneia Veredas & Martin Luther King

 





Comunidades 2027

Eu tenho um sonho


Carregamos todos o medo

alguns de nós com pedras

numa mão e cicatrizes frescas,

espalhadas pelos corpos e 

na alma coletiva

manchados,

borratados de desesperança,

e, ainda assim, 

fomos, e subimos

ladeiras de sarcasmo,

onde se empilhavam

os lavores do capitalismo

vestido, do nosso precário,

humano servilismo, 

os rancores do egoísmo, 

na debilidade da nossa fome, 

a flatulência do ódio,

do lucro contra o homem,

os manjares despojados

da crueldade e a agonia

na disparidade de poder 

e ignorância emocional.

Alguns tremiam de raiva

e outros de coragem, 

a espuma da ira ia secando

a jorna dos dias, 

e nesta viagem, nenhum de nós

morreu, 

ou viu a fé particularizar-se

noutro binómio 

que não fosse o "nós",

nenhum de nós se atreveu

a demolir a coragem, esta,

de fazer face ao presente,

que o futuro da nossa 

mais jovem geração 

resultaria dali, desta gente,

da amalgama humana

tiranizada de cristos,

do nosso desafio constante

da investida, da resiliência,

derrubar para reconstruir

tudo aquilo em que 

ainda acreditávamos. 

Todos carregavam a coragem

e a utopia como qualidades frágeis

em caixas de proteção débeis,

nos nossos corpos

contra atentados e emboscadas.

E quando a sombra 

do poder obscuro 

pensou ofertar-nos, 

na espera,

bombas e demais 

efeitos perfunctórios,

quando pensaram

matar a nossa persistência

ter-nos calado os passos, 

com letais repetições

de hiroshima e nagasaki,

e outros ilustres repositórios,

ressurgimos de entre escombros,

pernas, bolhas, bocas, ombros 

e tantos braços que a terra se abriu

em partes, 

que o mar se rasgou 

em pedaços para nos amparar 

e nos separar do joio.

A visão de humanidade

que se tinha perdido 

no jogo da ambição, 

na entrega de poderes escusos, 

ficava ali, numa vala comum

onde se mediam intenções 

e qualidades para singrar

nesta nova jornada 

onde a criança,

a perseverança,

eram a força motriz,

o olho da visão, o apoio, a contestação 

e a recusa de sermos ceifados 

como objetos clonados

da anterior civilização.

Com a nova consciência

da verdade, 

criamos as comunidades.

Onde todos carregavam

voluntariamente,

medo, superação e esperança

para o resultado arbitral

de humana raiz.

Depois, foi dar nome 

a todas as coisas 

cuja serventia

 era o de colocar os humanos 

acima das agências de lucro. 

Que nós nascemos 

para ser causa e fruto, 

mais do que rebelião,

mais do que o conduto 

dessa estirpe filiforme 

que fora escrutinada

para ser abortada 

pela nova geração. 

E com ela, todas 

as ferramentas de desunião, 

como sejam a guerra, 

o lucro e a religião.

O mundo se fez novo,

o homem se humanizou

porém, que a história se imprima

na memória coletiva,

a de não esquecermos

de termos estado

no abismo da civilização humana, 

e quando todos nós elevamos

a fasquia do coletivo,

eis quando o divino 

se opera entre todos.

Eu vi nascer um dia claro, 

quando ergui os braços ao céu

e de gratidão e humildade,

de joelhos, 

a coletividade, tal como eu

viu o clarão de Deus

restituir-nos a humanidade

nos braços da nova força,

gerida pelas comunidades. 



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