You can't turn a whore into a lady

 



- Raios te partam! por acaso sabes ao tempo que estou a tentar te falar? Por que raio não me atendes?

Não era o tom de quem esperava ouvir resposta, o desespero tinha um sotaque gasto, de exaspero.

 - A conversa foi evasiva. Sim, evasiva que quer dizer, nem foi e nem deixou de ser. Aconteceu assim, que queres?!

Ouvi um profundo suspiro do outro lado. No meu bolso do casaco, a chave do carro, meia dúzia de folhas soltas na mão! O maço do tabaco deixara-o na saída do bar. 

- Ouve lá, nem vais acreditar nisto! Segura-te! Estou fodido da silva!

O Vieira voltou a suspirar, mas desta vez com grunhidos à mistura, ouvi-o, enquanto tentava apalpar os bolsos todos do casaco e das calças

-Olha, estou mesmo fodido! Ou seja, estamos! Tenho que desligar, depois falamos!

-Ouve lá, não me faças essa merda, que se passou? Ao menos diz o que se passou!

Ele tinha razão, nem ia dormir se não lhe dissesse. 

- Vieira, olha me esta merda! Deixei o caralho das pens dentro do maço de tabaco, pousado na saída do bar, atrás do jarro das flores! Tenho que chegar lá antes que feche! 

-Cabrão de uma merda, confiar em ti! Devias ter ficado com o tringalho preso na braguilha das calças, isso sim, Linhares! 

E desliguei. Estava farto de pragas. E então aquela em específico dispensava, obviamente. Ele tinha razão. Ainda procurei no bote pelo maço de tabaco, mas a imagem dele atrás do jarro continuava a martelar-me os fusíveis. Mas onde ando eu com a cabeça? Meti-me no cinquecento e rasguei pelo nevoeiro! Evitei semáforos e sinais, deu-me jeito aquele abandono sebastiano no princípio da madrugada. Estava tão stressado que se encontrasse algum azeiteiro pelo caminho, fodia-lhe a pintura.

Cruzei a anémona dos pescadores e tentei chegar ao "Totil" antes que batessem as duas e meia, senão, já não ia dormir. Meti-me na rua empedernida e fui direto ao passeio. Ufa, as luzes desmaiadas dos candeeiros ficavam-se pela copa do arvoredo cerrado. Dei cabo de um pneu, mas isso era o de menos. Que se fodesse a Conceição, a Luísa e a puta que as pariu a todas. A porta estava encostada, mas ainda com luzes no interior. Valha-me o santinho! A porta estava aberta! Ia entrar de manso, ir atrás do jarro e bazar. Abri e sai o Caetano, aquele bófia piegas cheio de álcool no sangue, sabe-se lá quantas garrafas tinha embutidas naquele corpo magro e com cheiro a defunto. Deu-me boa noite, como se eu fosse um estafermo dos dele, um chibo. Nem lhe respondi! O que eu queria mesmo era o maldito maço. Nem de propósito, um grupo de estarolas, cinco ou seis vieram para a saída do bar, a conversarem uns com os outros de gajas e de futebol, mesmo no meio entre mim e o jarrão. Pus-me em bicos de pés, até que senti um braço cair-me em cima dos ombros e torci o tornozelo. 

-Ainda bem que aqui estás Linhares, preciso de boleia. - Era o Histórias. Bêbado como um cacho, pior ainda que todos os outros. 

-Acabaste de me foder o tornozelo, tira-me essas mãos de cima, que és um bruto! Pigarreei, mas acedi. - Eu dou-te boleia, mas espera-me lá fora. 

Pedi desculpa ao grupo de estranhos e tentei passar para o cubículo dos casacos para aceder ao jarro quando fui impedido por um deles. 

O gajo encostou-me à parede e perguntou-me o que queria do canto. 

- A minha gabardine! - qual gabardine, se eu nem usava gabardine nenhuma, mas o gajo pareceu-me cheio de más intenções e já eram quase três da matina, só queria mesmo ir pra casa e não pensar mais nesta merda. 

Consegui, finalmente chegar ao vaso, titubeando com a mão, sem acasos, e lá estava o retângulo da minha luta. Enfiei às pressas no casaco o maço e desandei dali pra fora. O burburinho cá fora juntava os lamentos aos vómitos de dois estranhos. O pneu lá estava, vazio. Não me apetecia perder tempo, nem aturar os guinchos do bófia nem de ninguém. Desci da pequena alameda até ao cais e esperei. Devia ter fisgado uma gabardine. O griso era muito, maldito nevoeiro molhado. Aguardei um táxi e ele veio. Leve-me ao centro da cidade, faz favor. 

O telemóvel já tinha algumas chamadas perdidas. Eu entendia o gajo, mas porra, o que se faz em nome dos amigos devia ser recompensado. Com um cacau quente. Descalcei os sapatos húmidos e despi-me. Meti-me no chuveiro. Sentei-me com a toalha enrolada nos quadris e aguardei a chamada dele. E ela não tardou.

- Consegui aquela merda. 

-Aleluia, caralho! Amanhã vou ter contigo ao quiosque, por volta das 8h.

Concordei e disse-lhe que tinha que ir comigo buscar o carro ou a Luísa ia dar cabo de mim, ela e a outra. O pneu estava morto. 

Abri o computador e inseri uma das pens. Afinal, tinha que perceber porque tanto me tinham chateado com aquelas cenas. Abri a boca. Vinte e nove fotografias de uma gaja a entrar e sair de um lugar. Que comprometiam e confirmavam tudo. 

Percebi o Silva. Nem abri a outra pen. Fiquei com pena dele. Afinal, tinha sido controlado e bem dominado pela gaja.





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