José Mário Branco
Hesitei se havia de escrever esta canção
Porque a vida não se pode resumir numa canção
Mudar de vida?
Mudar de vida é uma questão que ainda não está resolvida
Mas o que é a minha vida, se não a própria vida que está contida em toda a força perdida, em toda a vida perdida, consumida, passada, repassada, ultrapassada como se não fosse vida...
A minha vida? Não há!
Uma vida mesmo vida só pode ser um espaço que está dentro dum abraço que se dá ou não se dá
Vida verdadeiramentе é sempre a vida da gentе que penosamente, insistentemente, inexplicavelmente, vai fazendo andar a roda que fabrica a vida toda
Uma vida separada se parada
Se a vida seca e mais nada
Se for vida distraída, alienada, sozinha, irrelevante e auto-ignorada, já não é vida vivida
Uma vida separada, não é vida nem é nada
São corpos minerais, nem plantas nem animais
Pois quem vive distraído à conta do seu umbigo
Quem não é capaz de dar a vida pela vida dum amigo
Está sozinho com os outros, está sozinho consigo
(pelo menos é assim que eu vejo as coisas)
Então? Mudar de vida pra quê?
Em tudo o que foi vivido procuramos um sentido
O que essa vida nos diz, uma matriz, um pendor, um sonho, um amor ou um desamor, uma paixão, uma razão... ou uma Grande Razão!
Por baixo de cada vida há essa roda que gira com os ratinhos lá dentro a fazer a roda andar
As coisas materiais, as coisas essenciais
O pão, a casa, os sinais que são a vida directa
A existência concreta
As coisas que estão à mão, que nos parecem normais
A paz, o pão, a saúde, a habitação
Então? Mudar de vida?
Porque a vida não se pode resumir numa canção
Mudar de vida?
Mudar de vida é uma questão que ainda não está resolvida
Mas o que é a minha vida, se não a própria vida que está contida em toda a força perdida, em toda a vida perdida, consumida, passada, repassada, ultrapassada como se não fosse vida...
A minha vida? Não há!
Uma vida mesmo vida só pode ser um espaço que está dentro dum abraço que se dá ou não se dá
Vida verdadeiramentе é sempre a vida da gentе que penosamente, insistentemente, inexplicavelmente, vai fazendo andar a roda que fabrica a vida toda
Uma vida separada se parada
Se a vida seca e mais nada
Se for vida distraída, alienada, sozinha, irrelevante e auto-ignorada, já não é vida vivida
Uma vida separada, não é vida nem é nada
São corpos minerais, nem plantas nem animais
Pois quem vive distraído à conta do seu umbigo
Quem não é capaz de dar a vida pela vida dum amigo
Está sozinho com os outros, está sozinho consigo
(pelo menos é assim que eu vejo as coisas)
Então? Mudar de vida pra quê?
Em tudo o que foi vivido procuramos um sentido
O que essa vida nos diz, uma matriz, um pendor, um sonho, um amor ou um desamor, uma paixão, uma razão... ou uma Grande Razão!
Por baixo de cada vida há essa roda que gira com os ratinhos lá dentro a fazer a roda andar
As coisas materiais, as coisas essenciais
O pão, a casa, os sinais que são a vida directa
A existência concreta
As coisas que estão à mão, que nos parecem normais
A paz, o pão, a saúde, a habitação
Então? Mudar de vida?
Mudar de vida
Mudar de vida
Acordar
Acordar o pensamento
Vida verdadeiramente é sempre a vida da gente que penosamente, insistentemente, inexplicavelmente, vai fazendo andar a roda que fabrica a vida toda
Muitos de nós nem dão conta...
Achamos isso normal...
Mas afinal... e a hora de trabalho que há em cada coisinha?
E o cansaço da mãe com as panelas na cozinha?
Como se chama a Judite que me fez esta camisa?
Onde está o Eduardo que fez este projector?
E onde para o Vladimir que ergueu aquela parede?
Estão não sei onde!
Do outro lado daquilo a que nós chamamos vida!
A vida deles, para nós, não é bem vida...
É, digamos assim, mercadoria produzida...
São umas coisas!
Umas coisas que vivem sei lá onde, sei lá como... Viverão?
Essa gente, tirando alguma excepção, não está confortavelmente aqui sentada à minha frente a ouvir a minha canção
Vai vendo telenovelas, olhos perdidos no espaço, a digerir o cansaço, a descansar do vazio...
São corpos desbotados, destinados a serem recarregados
Que amanhã é outro dia em que vão trocar, por pão
Ou tudo ou nada
Mais e mais mercadoria, fabricada, montada, embalada e transportada
Que para eles não vale nada!
Estes de que falo são 66 % da gente do meu país
Há mais 24 % que sobrevivem nas pregas do pesadelo
Sobram 10
Dos 10%, são 8 os que duma ou doutra forma levam cheios de arrogância as migalhas de biscoito que são o seu resgate de esperança
Estão nas tintas para tudo, a começar por si próprios...
Ficam os tais 2 %, os que a gente nunca vê, mas que nos vêem a todos
Quem fabrica um parafuso, uns sapatos, uma estrada, qualquer coisa fabricada
Recebe um x pela hora, pelo gesto, pela vida emprestada
Que não é vida nem nada
Amortizado o capital constante
Pagas as despesas todas
Incluindo o esperto que teve a ideia
Fica então a mais-valia
Que é a demasia entre o valor da mercadoria e os gastos do patrão - o esperto que teve a ideia, o "empreendedor" que pôs os outros a viver para ele...
Porquê? Porque os valores são outros...
-Quais são os teus valores, Zé Luis?
-Os meu valores?
-Sim, quais são os teus valores?
-Ah, o amor, a liberdade, a igualdade, a fraternidade
A amizade
A justiça, ora aí está, a justiça
Ah e também a honestidade!
-E tu aí, quais são os teus valores?
-Os meus valores?
-Sim, quais são os teus valores?
-Os meus valores estão na bolsa de valores...
Mudar de vida
Acordar
Acordar o pensamento
Vida verdadeiramente é sempre a vida da gente que penosamente, insistentemente, inexplicavelmente, vai fazendo andar a roda que fabrica a vida toda
Muitos de nós nem dão conta...
Achamos isso normal...
Mas afinal... e a hora de trabalho que há em cada coisinha?
E o cansaço da mãe com as panelas na cozinha?
Como se chama a Judite que me fez esta camisa?
Onde está o Eduardo que fez este projector?
E onde para o Vladimir que ergueu aquela parede?
Estão não sei onde!
Do outro lado daquilo a que nós chamamos vida!
A vida deles, para nós, não é bem vida...
É, digamos assim, mercadoria produzida...
São umas coisas!
Umas coisas que vivem sei lá onde, sei lá como... Viverão?
Essa gente, tirando alguma excepção, não está confortavelmente aqui sentada à minha frente a ouvir a minha canção
Vai vendo telenovelas, olhos perdidos no espaço, a digerir o cansaço, a descansar do vazio...
São corpos desbotados, destinados a serem recarregados
Que amanhã é outro dia em que vão trocar, por pão
Ou tudo ou nada
Mais e mais mercadoria, fabricada, montada, embalada e transportada
Que para eles não vale nada!
Estes de que falo são 66 % da gente do meu país
Há mais 24 % que sobrevivem nas pregas do pesadelo
Sobram 10
Dos 10%, são 8 os que duma ou doutra forma levam cheios de arrogância as migalhas de biscoito que são o seu resgate de esperança
Estão nas tintas para tudo, a começar por si próprios...
Ficam os tais 2 %, os que a gente nunca vê, mas que nos vêem a todos
Quem fabrica um parafuso, uns sapatos, uma estrada, qualquer coisa fabricada
Recebe um x pela hora, pelo gesto, pela vida emprestada
Que não é vida nem nada
Amortizado o capital constante
Pagas as despesas todas
Incluindo o esperto que teve a ideia
Fica então a mais-valia
Que é a demasia entre o valor da mercadoria e os gastos do patrão - o esperto que teve a ideia, o "empreendedor" que pôs os outros a viver para ele...
Porquê? Porque os valores são outros...
-Quais são os teus valores, Zé Luis?
-Os meu valores?
-Sim, quais são os teus valores?
-Ah, o amor, a liberdade, a igualdade, a fraternidade
A amizade
A justiça, ora aí está, a justiça
Ah e também a honestidade!
-E tu aí, quais são os teus valores?
-Os meus valores?
-Sim, quais são os teus valores?
-Os meus valores estão na bolsa de valores...
(Ao que isto chegou...)
Nos anos 20 do século do mesmo nome
Para tentar deter o flagelo social da sífilis
Que dizimava pobres e exércitos
O biólogo alemão Ehrlich fechou-se no laboratório
Tentou uma experiência, e falhou
Tentou duas, falhou
Três, quatro, cinco, seis, falhou sempre
Até que conseguiu um tratamento:
Chamou-se tratamento "Ehrlich 606"
Mas ainda não conseguia curar a doença sem matar o doente
Então Ehrlich continuou
Mais uma, e outra, e outra...
A cura, finalmente conseguida, chamou-se "Ehrlich 914"
Quantas vezes já tentámos nós?
914?
Ainda não...
606?
Ainda não...
Mas talvez, quem sabe, dez, vinte?
Qual é o preço da esperança?
Acordai, acordai homens que dormis a embalar a dor dos silêncios vis
Vinde no clamor das almas viris arrancar a flor que dorme na raiz!
Estamos de punhos fechados, mas temos as mãos nos bolsos...
Então?
Mudar de vida?
Nos anos 20 do século do mesmo nome
Para tentar deter o flagelo social da sífilis
Que dizimava pobres e exércitos
O biólogo alemão Ehrlich fechou-se no laboratório
Tentou uma experiência, e falhou
Tentou duas, falhou
Três, quatro, cinco, seis, falhou sempre
Até que conseguiu um tratamento:
Chamou-se tratamento "Ehrlich 606"
Mas ainda não conseguia curar a doença sem matar o doente
Então Ehrlich continuou
Mais uma, e outra, e outra...
A cura, finalmente conseguida, chamou-se "Ehrlich 914"
Quantas vezes já tentámos nós?
914?
Ainda não...
606?
Ainda não...
Mas talvez, quem sabe, dez, vinte?
Qual é o preço da esperança?
Acordai, acordai homens que dormis a embalar a dor dos silêncios vis
Vinde no clamor das almas viris arrancar a flor que dorme na raiz!
Estamos de punhos fechados, mas temos as mãos nos bolsos...
Então?
Mudar de vida?
Mudar de vida
Mudar de vida ....
[...]
Não disputeis, curvado o corpo todo, as migalhas da mesa do banquete
Erguei-vos e tomai lugar à mesa!
Mudar de vida!
Mudar de vida!
Levar o sonho de Antero às mulheres do Vale de Ave, às da Zara, às da Maconde, às da Rohde
Aos homens da Pereira da Costa
Aos jovens da Cova da Moura, da Arrentela, da Apelação e da Alta de Lisboa, meus irmãos!
Aos homens da Auto-Europa e da Azambuja
Ao milhão de desprezados
Ao lixo do capital
Aos seres humanos dispensáveis, descartáveis, recicláveis
A esses olhares perdidos dos nossos telejornais
Levar o sonho de Antero aos humilhados e ofendidos
Erguei-vos e tomai lugar à mesa!
Libertar a mais valia que está na mercadoria!
Mostrar a vida escondida por baixo do sofrimento!
Recordar a força
Acordar a força motriz
A energia matriz
Donde nasce o movimento
A raiz...
Mudar de vida!
Mudar de vida!
Mudar de vida
Mudar de vida
Dar
Dar um pontapé na morte!
Mudar de vida
Mudar de vida
Romper
Romper o cordão da sorte!
Mudar de vida
Mudar de vida
Dar
Dar as mãos para o caminho!
Mudar de vida
Mudar de vida
Mudar
Que isto não muda sozinho!
Mudar de vida
Mudar de vida
Pôr
Pôr em marcha o movimento!
Mudar de vida
Mudar de vida
Acordar
Acordar o pensamento!
Mudar de vida ....
[...]
Não disputeis, curvado o corpo todo, as migalhas da mesa do banquete
Erguei-vos e tomai lugar à mesa!
Mudar de vida!
Mudar de vida!
Levar o sonho de Antero às mulheres do Vale de Ave, às da Zara, às da Maconde, às da Rohde
Aos homens da Pereira da Costa
Aos jovens da Cova da Moura, da Arrentela, da Apelação e da Alta de Lisboa, meus irmãos!
Aos homens da Auto-Europa e da Azambuja
Ao milhão de desprezados
Ao lixo do capital
Aos seres humanos dispensáveis, descartáveis, recicláveis
A esses olhares perdidos dos nossos telejornais
Levar o sonho de Antero aos humilhados e ofendidos
Erguei-vos e tomai lugar à mesa!
Libertar a mais valia que está na mercadoria!
Mostrar a vida escondida por baixo do sofrimento!
Recordar a força
Acordar a força motriz
A energia matriz
Donde nasce o movimento
A raiz...
Mudar de vida!
Mudar de vida!
Mudar de vida
Mudar de vida
Dar
Dar um pontapé na morte!
Mudar de vida
Mudar de vida
Romper
Romper o cordão da sorte!
Mudar de vida
Mudar de vida
Dar
Dar as mãos para o caminho!
Mudar de vida
Mudar de vida
Mudar
Que isto não muda sozinho!
Mudar de vida
Mudar de vida
Pôr
Pôr em marcha o movimento!
Mudar de vida
Mudar de vida
Acordar
Acordar o pensamento!
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