Crónica do RAP

 



Não digo que os móveis do IKEA não sejam baratos. O que digo é que não são móveis. Na altura em que os compramos, são um puzzle. A questão, portanto, é saber se o IKEA vende móveis baratos ou puzzles caros. Os problemas dos clientes do IKEA começam no nome da loja. Diz-se «Iqueia»

ou «I quê à»? E é «o» IKEA ou «a» IKEA»? São ambiguidades que me deixam indisposto. Não saber a pronúncia correta do nome da loja em que me encontro inquieta-me. E desconhecer o género a que pertence gera em mim uma insegurança que me inferioriza perante os funcionários. Receio que eles percebam, pelo meu comportamento, que julgo estar no «I quê à», quando, para eles, é evidente que estou na «Iqueia».
As dificuldades, porém, não são apenas semânticas, mas também conceptuais. Toda a gente está convencida de que o IKEA vende móveis baratos, o que não é exatamente verdadeiro. O IKEA vende pilhas de tábuas e molhos de parafusos que, se tudo correr bem e Deus ajudar, depois de algum esforço hão-de transformar-se em móveis baratos. É uma espécie de Lego para adultos. Não digo que os móveis do IKEA não sejam baratos. O que digo é que não são móveis. Na altura em que os compramos, são um puzzle. A questão, portanto, é saber se o IKEA vende móveis baratos ou puzzles caros. Há dias, comprei no IKEA um móvel chamado Besta. Achei que combinava bem com a minha personalidade. Todo o material de que eu precisava e que tinha de levar até à caixa de pagamento pesava seiscentos quilos. Percebi melhor o nome do móvel. É preciso vir ao IKEA com uma besta de carga para carregar a tralha toda até à registadora. Este é um dos meus conselhos aos clientes do IKEA: não vá para lá sem duas ou três mulas.
Eu alombei com a meia tonelada. O que poupei nos móveis, gastei no
ortopedista. Neste momento, tenho doze estantes e três hérnias.
É claro que há aspetos positivos: as tábuas já vêm cortadas, o que é melhor
do que nada. O IKEA não obriga os clientes a irem para a floresta cortar as
árvores, embora por vezes se sinta que não faltará muito para que isso
aconteça.
Num futuro próximo, é possível que, ao comprar um móvel, o cliente receba um machado, um serrote e um mapa de determinado bosque na Suécia onde o IKEA tem dois ou três carvalhos debaixo de olho que considera terem potencial para se transformarem numa mesa-de-cabeceira engraçada.
Por outro lado, há problemas de solução difícil. Os móveis que comprei
chegaram a casa em duas vezes. A equipa que trouxe a primeira parte já não
estava lá para montar a segunda, e a equipa que trouxe a segunda recusou-se a mexer no trabalho que tinha sido iniciado pela primeira.
Resultado: o cliente pagou dois transportes e duas montagens e ficou com um
móvel incompleto. Se fosse um cliente qualquer, eu não me importaria. Mas
como sou eu, aborrece--me um bocadinho. Numa loja que vende tudo às peças (que, por acaso, até encaixam bem umas nas outras) acaba por ser irónico queo serviço de transporte não encaixe bem no serviço de montagem.
Idiossincrasias do comércio moderno.
Que fazer, então? Cada cliente terá o seu modo de reagir. O meu é
este: para a próxima, pago com um cheque todo cortado aos bocadinhos e junto um rolo de fita gomada e um livro de instruções. Entrego metade dos confettis num dia e a outra metade no outro.
E os suecos que montem tudo, se quiserem receber.

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