Dia de eleições na tugolândia

 


Depois de um belo dia de Verão, deitei-me cedo para descansar, depois de ter falado com a senhora minha mãe, para lhe dar uma beijoca. 
Acordei cedo. 8.30h. Tinha combinado passar em Paços de Sousa para me acompanharem a ir votar. Passamos na confeitaria para pequen'almoçar, completamente repleta. Havia uma pequena mesa no canto com dois lugares e com alguma ligeireza da minha parte, ocupamos a mesma. Depois da dose de cafeína, de metade da dose de nicotina (meio cigarro), adentramos no bote para nos deslocarmos ao local de voto de Marecos "city". Quando entramos, não havia ninguém, à exceção dos vogais e elementos da mesa de voto. Disseram o meu nome alto, ouvi-os falar da família Ramos, sabia que o faziam, falando no nome Ramos e por minha causa, desliguei-me, peguei no boletim e pensei: Ena, tantos partidos, será que se uníssemos todos eles, conseguíamos alguma coisa inteira?
O cinismo a desenhar-me a ruga do costume entre o lábio superior e o nariz. Ninguém viu. Só o meu pai. Pus a cruz no partido do costume e a imagem que visualizei foi o das pessoas que o representam, aquela quadrícula. Porque quando voto, teimo em votar em pessoas com rosto e não em grupos com interesses. A minha utopia mantém-se. Ouvi o nome do Tomás e, por baixo de um dos guichés, vi-lhe os ténis e falei: Tomás, aguardo-te lá fora. Quase nem me deu tempo. Recolhi o meu cartão de cidadão e já o tinha ao meu lado. Não falamos sobre partidos políticos, nem sobre a política praticada pelos mesmos. Ouvi-o perguntar-me: Mã, como sabemos se algum daqueles membros que lá estavam, se forem de um dos partidos visados, não deitam fora ou adulteram o nosso voto? Expliquei-lhe na minha (ainda) utópica visão de humanidade que acredito que haja ética e moral, que haja alguma imparcialidade ou isenção e que, no meu parecer, há-de haver, para além dos costumeiros vogais da terra sempre presentes, alguém destacado, aleatoriamente, para estar presente e, de algum modo, regular e manter impolutos os princípios democráticos a que todos os cidadãos têm direito, bem como o dever de esclarecimento aos mesmos ser prestado, em caso de qualquer dúvida. Não tenho bem a certeza disto, filho, porém, é nisto qu acredito e pretendo continuar a acreditar. Comprei dois pães de regueifa e uma broa. Agendamos qualquer coisa para o aniversário da avó Eva que se aproxima. Conversamos de tudo e de nada, entre solilóquios e reticências. Beijei-o e dei-lhe um até breve. Despachei-me rápido. As cólicas mantêm-se. Ontem tivemos com a Enfermeira Júlia, a irmã que não de sangue da minha mãe, na casa do meu irmão que é onde tenho parado, para acompanhar a senhora minha mãe. Combinamos algumas coisas e acertamos outras. O dia está caído. Quando fui votar, algumas pingas de chuva tropical me fizeram ligar o limpa-vidros do carro. Recebi, estranhamente, uma mensagem do Centro de Saúde de Paredes, ontem à noite, portanto, sábado, remarcando-me uma consulta familiar (médico de família) para segunda-feira de tarde. Esqueceram da consulta da minha mãe. Tínhamos agendada consulta apenas em Maio. Antecipei para Abril, 11, altura em que os seus exames estavam mais que realizados. No dia 10 de Abril, (data do falecimento do meu pai, em 1975), ligaram-nos a dar-nos conta que as consultas tinham sido suspensas por a médica de família se encontrar de baixa. Agora, que a mesma médica se encontra de alta, a consulta da minha mãe não foi agendada. E cheira-me a esturro. Com o meu querido irmão no meio. Como já estou habituada a esturros (a seguir a minha intuição) preparo-me para a limpeza (nada de limpezas étnicas) usual que faço, cada vez que a minha intuição me chama. Pego nos paninhos, nos detergentes, na esfregona e vou limpar, como tenho feito, amiúde, em casa do meu irmão, desde o banho à minha mãe, cozinhar almoço, dobrar roupa, fazer a cama da minha mãe, limpar marquises e lavar muita loiça, que o meu irmão acredita viver numa realeza e cozinha para um batalhão, quando somos só três. Lixinho separado. À conta da marquise dele, lembrei-me de uma fulana que esqueci o nome num ter-de-ser que teve um namorado temporário chamado Georg, alemão que, quando a viu na cozinha a usar recipientes e legumes, e não separar o lixo (isto em 90), se atirou pro chão, numa crise de APOCALIPSE NOW, que eu achei muita piada, porque as suas tiradas de humor tinham sempre imensa piada e repercussão, por estarmos a falar de cidadãos alemães virginianos (terra mutável, aquele com ascendente forte em terra fixa) e cujo episódio jamais foi esquecido. As pessoas são como os regimes em que vivem. Uma pessoa pode ser ou fundamentar-se num regime. Os totalitários, normalmente, conseguem ser analisados num escopo simples e até, de certa forma, alterados, se houver alguém com regência de Mercúrio, Úrano ou mesmo a Lua. Como? Desmontando, através da comunicação de ideias, ou seja, desconstruindo a ideia anterior ou oferecendo uma nova com data de concretização ou alteração. O Georg era totalitário, em casa dele só mandava ele, na sua bela chaise longue, no seu banho turco, na sua sauna privada, tudo dentro da sua casa, a três ou quatro quilómetros dos papás, um homem de quarenta anos e que adorava passar férias, adivinhe-se, na Tailândia, onde tinha, gratuitamente, um paraíso sexual de menores de idade. 
Existem muitos cidadãos totalitários. Temos que abrir as pestanas e sacudi-los (sacudir-lhes os alicerces), oferecendo-lhes um passe para um mundo completamente diferente. Onde podem ser sodomizados, ao invés de sodomizar. Claro, isto sou eu a falar comigo, nos meus monólogos domingueiros. Na minha família - núcleo duro - existem cidadãos totalitários. Que se pudessem, constituíam-se, eles próprios, num regime particular, com paraíso particular e inferno privatizado. Não os aconselho. Mas isto sou eu, que sou altamente comunitária, no que concerne ao mundo das ideias e da prática, no meu modus operandi. Como eu, há poucas. Haviam de se multiplicar. O pai diz-me que não. Que as joias raras, mui raramente, são apreciadas pelas varas. 
Percebido, pai. E agora que já desbordei e transbordei, vou deitar-me de lado, a ver se durmo um pouco. Gostava que a dores diminuíssem. Amanhã, tenho doutor. Ainda bem. 




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