A canalizar a oposição sol e lua

 


Depois de todos os entretantos, os pendentes, os detergentes, as estrofes musicais, as tarefas aborrecidas e outras mais, depois de sentar para o almoço, que acreditei ser de domingo, uma salada de grão de bico com ovo cozido, cebola, batata, atum e as benditas especiarias, que isto só tem azeite de oliva, não tem vinagre, cristina, repetia a Eva, dá-me a garrafa da sidra, depois do tapada das lebres, depois da sobremesa dela, as uvas e, para mim, o café e o cigarro, pois é, cristina, hoje não é domingo, mas tem cara de domingo, tem o piso molhado ao acordar, tem um cheiro de enxofre no ar, como se tudo estivesse a arejar, a ferver, em banho maria, coisas que se fazem na véspera de domingo, que o domingo é de ler e de ouvir música, quando a malta é ermita, afinal, foi tudo sábado, e sei que tenho cara de quem não acredita, dia de limpar, de escovar o limpo e o sujo, de escarafunchar atrás dos móveis, de sacudir almofadas, de dar cabo dos tapetes, de limpar retretes, dou-me por contente, fiz tudo na sexta, obedecendo a saturno, que não me quer em tarefas em cima dos joelhos, ai que me doem os artelhos, só para rimar, e venho cismando que afinal, limpei tudo na sexta, como se fosse sábado, que cozinhei na sexta como se fosse sábado, o salmão grelhado com batata frita aos quartos, numa cama de cogumelos com natas e abusei do cravinho, e nem aproveitei direito o domingo, como se fosse domingo mesmo, porque para mim era domingo, dia de serenar, de não tomar a pastilha do sacrilégio, e vim enfiar-me no quarto e é dele, deste quartel caverna, gruta, túnel que me guarda, que te falo. 
Hoje que foi sábado, um sábado qualquer, porque quando escravizados pelos calendários, damos conta da prisão, me lembrei de tantos domingos ao teu lado, domingos era contigo. E contigo, todos os dias eram domingo. Mas mais uma vez, e sim, mando saturno às favas, por ora, depois manda-me ele às urtigas, mais uma vez e muitas vezes, mais um sábado e tantos sábados e sabadeados sem ti que creio estar enlouquecida, bem do jeito que o inimigo pretendia. E tu conheces-me bem, nunca me dou por vencida, mesmo que mercúrio me obrigue a dizer o contrário, recordo-me, com saudade e nostalgia, de mesão frio, dos miradoiros todos em que parávamos, inventamos miradoiros em todo o lado, na régua, em caldas de Aregos, Santa Marta de Penaguião, em Resende para as laranjas e cerejas, na Granja, em todo o lado havia miradoiros sem motivo e nem banco de assento, eramos nós e a manhã ou a tarde e as noites, entrávamos na estrada, rasgávamos as curvas, trauteando músicas e desenhando os sonhos, sendo que alguns ficaram por cumprir. Dizer-te, neste sábado, quase, quase domingo, porque são 22.23 da noite, que os sonhos que ficaram, que não vingaram por falta de tempo, ou pelo destempero das circunstâncias, pelas distrações e falsas alianças de amizade, ainda se encontram aqui, no meio dos livros, entre brochuras antigas e nas cicatrizes de sal e castigo. E são sonhos, tal como outros que cumprimos, que os sonhos não lhes conheço datas e nem prazos de expiração, enquanto somos vivos, enquanto houver vento e tivermos asas. Encosto-me, em sinal de resignação (mas não de conformismo). E é preciso dois para dançar o tango. E quando me acabrunho assim, meu amor, nascem em mim outros sonhos, em que, de um faço dois ou um cento, e atravesso a galáxia, contigo a dançar nos braços, e nesse espaço onde cabemos só nós, dou por mim a ir ao fundo, ao tal fundo do fundo de onde se avista a alma, sedenta e sombria, e entre te saber longe ou não te ter, faço da distância motivo de alegria. Agora, o que te canta a Janis é o que eu teria tentado fazer, se não desafinasse, cantar-te, num tal ano, num tal mês, numa tal semana de um tal específico dia. Quando tudo isso aconteceu, marte em mim deu-me apatia, medo, rejeição e cobardia. E ele em mim outra vez. A demorar-se. Agora, cada dia mais exato. Meu amor, mercúrio estacionado, Úrano sem retaguarda, nenhuma oposição, porém quincúncios às dúzias. Ah se eu te visse amanhã, se porventura a conjuntura da lilith e da vénus em libra e o alinhamento de kiron com o meu neptuno na casa 5, ali ao lado do vertex, se acontecesse esse movimento, tal como reza a profecia, o alinhamento planetário irrompesse este quarto, eu diria que merecia, que sou papisa e nem sabia, que no eclipse do eixo rotina e ilusão se materializasse a tal da magia, ao estremecer do teu olhar, que não esqueço, nesta loucura que o mundo é sem ti, nesta cama fria, talvez meu amor, eu realizasse o mundo que sonhei pra nós num só dia. 

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