Al Qabri Ramos
Parei o tempo.
Precisava da sua energia
para me operar,
parei a lista de afazeres,
a rotina, os deveres,
refugiei-me no fósforo interno,
queimei o inútil,
arrumei as lições,
as dores,
as recompensas
e a maternidade,
descobri algumas mentiras,
outras tantas ilusões,
fiquei apenas com meia-verdade
e o tempo correu para os outros
para a vida dos outros,
a bendita sociedade
e se refletiu em padrões
e velhas crenças
depois de estancar o que me feria
o que já não me servia
da vida beliscar-me,
arranquei-me do lugar de sombras
das vossas manipulações medonhas
e decidi ser inteira
e pôr-me em primeiro lugar
com sombras e tudo
do fogo que me moldou
das maldições que esconjuro
tocha que ardeu
ferida, corte,
despedida,
surgiste,
mais uma vez
inteiro
sem tempo
nem espaço
um painel de descobrimentos,
sem cordão e nem laço
uma garça no penedo
eras eu
eu em ti
não havia desavenças
nem sequer uma brisa buliu
sem ponteiros
e nem limitações humanas
nem corriqueiras oscilações
estavas ali
ao alcance da minha alegria
e depois ficamos ambos
frente a frente
e o tempo urdiu o
que humano nenhum
cria poder ser feito
o leito manso
liturgia,
um milagre vestido de livramento
e a profecia da
bênção dos teus olhos
poisados
no horizonte
bastava-me,
impelia-me ir adiante
sem pretensões de coisa nenhuma
a não ser esse momento
e por fim, a clarividência
de ter vindo ao mundo para viver
esta singular circunstância
num dia claro e curvo
da mais velha idade humana
desse condicional, sectário
o regresso ao porto seguro
dei a mão à minha criança
e toda a infância se expandiu
nessa nuvem escura
que havia teimado
em permanecer
enfim, o caldo quente
das intempéries choveu,
apagando as eras dolorosas,
dissolvendo o ruim,
não me importei com a chegada do outono
com as suas cores da terra
o vento era o teu hálito morno,
que se cumprissem as estações
e tu sempre foste o verão em mim.
O tempo podia, finalmente,
avançar e cumprir o calendário.
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